Cearense de Caucaia interpreta Luiz Gonzaga
no filme
"Légua Tirana"; Chambinho também participa
Por João Lima Neto | Diário do Nordeste
Após três décadas da morte de Luiz Gonzaga, um filme gravado
em Exu (PE), com participação de cearenses, revela as primeiras descobertas
sonoras do artista. O longa tem previsão de lançamento no 1º semestre de 2020
Sanfoneiros fazem
diferentes fases de Luiz Gonzaga em nova produção
Foto: Isanelle Nascimento
Sob o forte sol na cabeça e com os pés no solo arenoso de
Exu, em Pernambuco, foi gravada uma nova produção sobre Luiz Gonzaga do
Nascimento — o Rei do Baião. Com participação de cearenses, a ficção remonta a
infância do sanfoneiro. O dono de um sorriso marcante do município de Caucaia,
Região Metropolitana de Fortaleza, é o principal personagem de “Légua Tirana”,
assinada pelos diretores Marcos Carvalho e Diogo Fontes. O pequeno cantor e
sanfoneiro Kayro Oliveira, 12 anos, dá vida à principal fase de descobertas de
Gonzagão. Quem também participa do longa é o sanfoneiro e ator Chambinho do
Acordeon, nome que ganhou o cinema nacional em “Gonzaga: de Pai pra Filho”.
De uma comunidade indígena, Kayro Oliveira foi apresentado ao
Brasil no programa The Voice Kids em 2018. O trabalho do pequeno prodígio
chegou em 2019, por meio da TV Globo, nas mãos dos diretores de “Légua Tirana”.
Na avaliação de Marcos Carvalho, Kayro é tão bom ator quanto sanfoneiro. “Ele
foi uma dádiva. Um presente que ganhamos. Houve um processo seletivo. Tivemos
parceria com emissoras de TVs que ajudaram nesse processo. Sentimos que ele
poderia ser nosso Rei do Baião quando criança. Fizemos alguns testes e não
ficamos com nenhuma dúvida. Tinha de ser ele. Luiz Gonzaga habita essa criança.
Ele conhece muito bem até os trejeitos”.
Sem timidez, Kayro contou ao Verso o sentimento de gravar o
primeiro filme. “Eu era o único menino mais parecido com o seu Luiz Gonzaga,
além de tocar sanfona e ser nordestino. Temos umas qualidades parecidas que
eles disseram. Eu não sei o que é”, fala com um sorriso no rosto. O cearense
conta que passou dois meses em Exu. As semanas foram divididas entre as
gravações e as atividades escolares.
Kayro Oliveira, foto: Diário do Nordeste
Uma das cenas mais complexas na visão de Kayro foi a de uma
surra que Gonzagão levou na infância, na qual o pequeno ator teve que fingir
sentir dor. “A cena da ‘pisa’ foi a mais difícil. Vai muito do ator de se expressar.
Eu tinha que fazer careta”, relembra.
Experiência
Já mais acostumado com as câmeras, Chambinho do Acordeon,
residente de Fortaleza, conta que Kayro ligou logo após receber a informação
que participaria da produção cinematográfica. “Ele me ligou todo alegre e
disse: ‘Chambinho! O que diabo é esse negócio de laboratório de ator?’ Quando
eu cheguei no dia da filmagem, ele já estava falando o nome dos equipamentos,
já estava todo por dentro”, lembra o sanfoneiro.
Para o novo filme, Chambinho revela que o sentimento na
atuação foi diferente da primeira produção. “Passado quase sete anos, a figura
de Luiz Gonzaga tem um peso. Principalmente para os sanfoneiros. Eu sempre
penso na quantidade de pais de família que empregam funcionários, alimentam seu
filho por meio do forró. Quando vem Luiz na cabeça me vem o forró. Agora, são
macetes ensinados de Januário para Luiz Gonzaga. São cenas na roça e também
indo para feiras tocar”, diz o músico.
Apesar do nascimento de mais uma produção sobre Luiz Gonzaga,
Chambinho do Acordeon afirma que as empresas poderiam investir mais, além do
poder público. “É a nossa essência e DNA em termos de cultura. Cada vez mais, o
cinema cresce. Nossa sétima arte está em evidência. Sinto preocupação com a
falta de investimentos. As empresas poderiam entrar um pouquinho mais com
apoio”, reforça o músico.
Ele ainda comenta sobre a receptividade internacional da
história de Gonzagão nas telonas: “em Moscou, por exemplo, fui para uma
premiação com quatro brasileiros. A gente viu russo chorando com o nosso
primeiro filme de Luiz Gonzaga. Esse novo já era pra ter lançado. Espero que o
governo olhe para o cinema com mais carinho. Temos uma cadeia produtiva
gigantesca. São hotéis com hospedagem, carros alugados, figurinos, uma logística
grande. Só tenho a dizer viva Luiz Gonzaga e viva o cinema nacional”.
Desafios
Para que tudo saísse do papel, o diretor Marcos Carvalho teve
o projeto do filme aprovado no VIII Edital de Fomento ao Audiovisual do Estado
de Pernambuco. “Légua Tirana” contratou diretamente 108 profissionais, entre
atores, técnicos e mão de obra local. O Ceará teve participação representativa
além do elenco.
Jovens egressos do Sistema Socioeducativo cearense, de
cidades como Sobral e Juazeiro do Norte, atuaram na produção. “Em 2017, nós
estivemos no Estado, por meio de uma parceria com a direção do Sistema
Socioeducativo. Levamos as oficinas do projeto ‘Cinema no Interior’. O filme é
uma etapa profissionalizante desse nosso projeto”. Para ambientar a infância de
Luiz Gonzaga, diversos espaços da cidade estiveram no roteiro. O património
arquitetõnico da cidade de Exu chegou a ser recuperado nas gravações. “Januário
chega em 1909, em Araripe. Luiz Gonzaga nasce em 1912. Ele sai do Araripe em
meados de 1930 e retorna em 1946. O filme se passa em 1922, aos 10 anos de
Luiz, e vai até 1930, quando chega aos 18 anos. Nós precisávamos que o cenário
estivesse condizente com aquele período histórico. Fachadas foram recuperadas.
É linda a paisagem”, comenta o diretor.
A produção ainda reformou a Vila de Tabocas, um vilarejo na
cidade de Exu. “Simboliza aquela terra no início do Século XX. Foi feito
restauração das casas da via principal e da zona rural. Foi um retorno do filme
para o povo de Pernambuco”.
Marcos Carvalho aponta como peça-chave da ficção, a própria
Chapada do Araripe. “Temos sempre locações voltadas para a chapada. Da casa da
caiçara, onde Luiz nasce, até a casa da pamonha, do padrinho de Luiz Gonzaga. O
paredão abraça a cidade e também simboliza uma prisão para ele. Como a própria
mãe, em querer que ele não saia da cidade. A região de Exu possui casas
históricas se centenárias. A zona rural é riquíssima. Basta lembrar de nomes
como Bárbara de Alencar. Existe a casinha dela que virou museu. Muitos casarões
foram usados”.
As gravações da produção cinematográfica foram finalizadas.
Os diretores aguardam um novo edital público para iniciar o processo de
finalização e edição, com previsão de ser lançado ainda neste mês. De forma
otimista, o filme deve ficar pronto no fim deste ano. A meta é lança-ló no
primeiro semestre de 2020.
“Nós concluimos as filmagens e agora estamos no processo para
fazer a finalização. Estamos aguardando se resolver o atual cenário para
iniciar essa etapa de edição. Acreditamos muito na obra e da importância de se
ter esse filme em memória e homenagem a um do maiores ícones da música e da
cultura nordestina. Tivemos a grata satisfação da família endossando o projeto.
Tudo se projeta para colhermos bons frutos com a veiculação dessa produção”,
afirma Marcos Carvalho.
Além de concorrer a premiações internacionais, Marcos
Carvalho avalia que o trabalho visa fomentar a formação de novos atores. “Só de
criança foram mais de 900 testes para compor esse elenco do filme. Nossa
intenção é fortalecer o acervo da cultura gonzaguiana”. O diretor pensa em
lançar a produção nas principais capitais do Nordeste. Em Fortaleza, ele
projeta uma futura exibição no Cineteatro São Luiz.
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