quarta-feira, 11 de julho de 2018

DOIS PONTOS DE VISTA



A família Queiróz em foto de 1920

Apresentamos a seguir, duas visões bem distintas sobre a antiga FAZENDA CALIFÓRNIA, antigo "condado" da família da escritora Rachel de Queiróz, transformada em assentamento pelo INCRA e hoje um distrito de Quixadá.




"A Fazenda Califórnia", crônica de Rachel de Queiroz
(Transcrita da revista Globo Rural)

A Fazenda Califórnia era “um condado”, conforme se dizia pelo sertão em redor. Foi nos começos da era de 1850 que o velho Miguel Francisco de Queiroz, meu tio-bisavô, senhor de muitas terras entre o Sitiá e o Choró, no Quixadá, resolveu diversificar da sua criação de gado crioulo, o chamado pé-duro. Afinal, era dono de uma boa data das famosas croas de aluvião, na ribeira do Choró: assim, a umas 500 braças da barranca do rio, situou fazenda nova, disposto a tentar a sorte na folha da cana.

Quem decidiu o local da sede foi o açude, alimentado por dois grandes riachos. A barragem se levantou pela mão dos negros – terra puxada em couro de boi, aguada, batida a malho. O grande prato d´água ainda lá está hoje, serenando.

Em terreno plano, o cavaleiro do vale do sangradouro, alisou-se uma esplanada, levantou-se a capela. E, fechando os três lados ao redor da igrejinha, “a rua”, composta numa das faces pela morada do sinhô e, por trás e defronte à igreja, as casas de agregados, o vaqueiro, a professora. Adiante, no caminho da Croa Grande, o cemitério.

Houve inveja e falatório diante do arrojo inovador de Miguel Francisco. Era o tempo da descoberta das célebres minas de ouro da Califórnia, nos Estados Unidos, e até no sertão se falava e se sonhava com aquelas riquezas. Um primo e rival mandou recado irônico: como ia seu Miguel com a sua Califórnia? O velho riu, gostou do nome, e assim a fazenda se batizou por “São Francisco da Califórnia”. Na capela inaugurou-se a imagem do orago, um São Francisco de talha primitiva e forte; que hoje, aliás, está na capela do cemitério, onde o refugiamos para salvar da fúria airada de um vigário alemão que pretendia incinerar “aquela feiura barroca” e o substituiu por um santo de gesso, loiro, rosado, coberto de dourados.

Meu tio Miguel não tinha filhos: deixou tudo que era seu para meu avô, o dr. Arcelino; e nas mãos do novo dono a Califórnia virou realmente um condado. Mudou-se a casa-grande (que, no sertão, nós chamamos simplesmente “a fazenda”) para o outro cabeço, do lado de lá do sangradouro. Imensa, rodeada por fundos alpendres de 3 metros, 57 portas e janelas, salas e salões, quartos e alcovas onde se podem armar 120 redes. Nas festas do centenário, lá se hospedaram 125 pessoas. Por trás da “fazenda”, o vale profundo do sítio, o cano de irrigação partindo do açude, as valetas regando em sucessão primeiro a famosa horta de minha avó, depois o pomar onde se cultivavam até fruta-pão e jambo, até uvas. Além do pomar, o vale se alargava mais, e era o canavial.

Entre a “fazenda” e o açude, a “fábrica”: o engenho a vapor, os tachos de apurar a garapa, o locomóvel que apitava como um trem, o alambique, os paióis de rapadura e, por fim, em plano mais baixo, no escuro, deitando um cheiro forte que tonteava, a adega onde dormiam os tonéis de cachaça.

Pena grande foi meu avô morrer cedo, deixando a viúva com dez filhos. Mas, mesmo em mão de viúva, a fazenda não decaiu. Ao contrário, parecia mais viva, com a presença frequente dos filhos, genros, noras e nós, as dezenas de netos. Dos sete filhos, cinco tiraram grau de doutor, o sexto fez seminário até o último ano, só o caçula não se formou. Concluídos os preparatórios, foi ele o escolhido para morar com a mãe e tomar conta da Califórnia. Só depois que ela morreu é que ele, solteirão, casou com uma prima. (A gente, na minha família, casava preferencialmente com primos. Dos dez da Califórnia, metade casou com primo ou prima.)

Até à morte de Dona Rachel, a Califórnia era mesmo o centro do nosso mundo. Era lá que nós os netos passávamos as férias, nas danças ao som de piano ou gramofone, cavalgatas, novenas, namoros.

Morta a avó, ficou de dono o caçula; nos anos em que lá esteve, se não fez melhoramentos, pelo menos não deixou que nada arruinasse. Mas aí ele morreu (já viúvo) e a consanguinidade tinha atacado os herdeiros, jovens e irresponsáveis. Fazendeiro nordestino tem terras e senhoria, mas dinheiro vê muito pouco. E os órfãos queriam ver dinheiro na mão. Começaram vendendo cabras e ovelhas, depois passaram ao gado. Venderam o engenho, o locomóvel, o alambique.

E, parte a parte, foram vendendo afinal a terra da Califórnia – e por tutameia*. A família não se envolveu – os moços faziam tudo às ocultas, “tinham cisma de parentes”. Quando se viu, acabavam de vender até a casa-grande que, aliás, está caindo em ruínas.

Agora surgiu um problema que já deu até crime de morte. Acontece que os velhos moradores, descendentes da indiada e da escravaria do tempo de meu tio Miguel, sempre moraram na rua e plantaram nas croas do rio. Roçados que passam de pais a filhos há mais de século. A rua fica no Patrimônio, isto é, à terra do santo. Como é sabido, quem constrói igreja rural, tem que doar ao orago um patrimônio em terras que lhe sustente os serviços do culto. O velho Miguel demarcou para esse fim um retângulo generoso, que vai da “rua” ao cemitério e desce em procura do rio por mais de 1 quilômetro. Na degringolada os herdeiros deixaram que caducasse o aforamento perpétuo com que o velho garantira a posse efetiva do terreno: o Patrimônio reverteu à Cúria de Quixadá, que o administra. E os padres, por sua vez, passaram a lotear o Patrimônio. A velha rua se “urbaniza”, desfigurada em arruado, pululante de bodegas e biroscas. Mas o pessoal antigo que ainda mora lá quer continuar plantando nos seus velhos roçados que hoje pertencem a novos donos, diversos. Os donos novos querem reaver a terra; a disputa se envenena e, como já se disse, deu até crime de morte.

Na Califórnia, que já foi um condado, só existe hoje miséria e rixa.

A casa-grande assiste a tudo e protesta se desmoronando. No inverno passado caiu a queijaria de minha avó. Antes, ruíra o terraço empedrado. De longe a “fazenda” ainda faz figura, mas de perto está morrendo.

* Tutameia (éia) = Mixaria.

(Esta crônica foi publicada, com pequenas mudanças, no livro TANTOS ANOS, de Rachel de Queiróz e sua irmã Maria Luísa de Queiróz.)







O DISTRITO DE CALIFÓRNIA, EM QUIXADÁ

Por Maria Marta Cruz
(mariamartacruz.blogspot.com)




Surgiu como Fazenda Califórnia, que desenvolveu-se sendo a melhor da região e ao seu redor nasceu um pequeno povoado formado por casas de escravos e pessoas das imediações que criaram núcleos e ergueram uma capela dedicada a São Francisco de Assis, atualmente denominada de São Francisco da Califórnia.

Com cerca de 2.000 habitantes, na linda praça do do distrito acontece o Festival do Milho, as festas em louvor a São Francisco, padroeiro do distrito, os eventos da Igreja Católica e evangélicos, estes organizados pelos templos da Assembléia de Deus Bela Vista e Assembléia de Deus Templo Central, noites culturais e feiras com produtos da agricultura familiar. E a bola rola com as partidas de futebol entre os times São Paulo e Vila Nova Futebol Clube, no Campo de Futebol da localidade, sendo uma das grandes diversões dos jovens .

O belo rio Choró corta o distrito, sendo ele uma das principais fontes de abastecimento hídrico, além de existir um grande açude, que de tão belo tornou-se ponto de encontro e visitação pública. Há no distrito uma área de assentamento do INCRA.

Visitei a localidade quando fui participar do matrimônio dos amigos Valmir e Leide, sendo acompanhada das amigas FranCelebridade, Leidinha e Tatiana Alves, a bela filha da localidade, irmã da noiva e membro de tradicional família local.

Sob a sombra de um centenário Juazeiro, fiz pose com alguns membros da numerosa família Alves. Lá existe realmente “A Casa das Sete Mulheres”: são as belas irmãs Angélica, Maria do Carmo, Ticiana, Tatiana, Leide, Daniele e Daiane.



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