A família Queiróz em foto de 1920
Apresentamos a seguir, duas visões bem distintas sobre a antiga FAZENDA CALIFÓRNIA, antigo "condado" da família da escritora Rachel de Queiróz, transformada em assentamento pelo INCRA e hoje um distrito de Quixadá.
"A Fazenda Califórnia", crônica de Rachel de Queiroz
(Transcrita
da revista Globo Rural)
A
Fazenda Califórnia era “um condado”, conforme se dizia pelo sertão em redor.
Foi nos começos da era de 1850 que o velho Miguel Francisco de Queiroz, meu
tio-bisavô, senhor de muitas terras entre o Sitiá e o Choró, no Quixadá,
resolveu diversificar da sua criação de gado crioulo, o chamado pé-duro.
Afinal, era dono de uma boa data das famosas croas de aluvião, na ribeira do
Choró: assim, a umas 500 braças da barranca do rio, situou fazenda nova,
disposto a tentar a sorte na folha da cana.
Quem
decidiu o local da sede foi o açude, alimentado por dois grandes riachos. A
barragem se levantou pela mão dos negros – terra puxada em couro de boi,
aguada, batida a malho. O grande prato d´água ainda lá está hoje, serenando.
Em
terreno plano, o cavaleiro do vale do sangradouro, alisou-se uma esplanada,
levantou-se a capela. E, fechando os três lados ao redor da igrejinha, “a rua”,
composta numa das faces pela morada do sinhô e, por trás e defronte à igreja,
as casas de agregados, o vaqueiro, a professora. Adiante, no caminho da Croa
Grande, o cemitério.
Houve
inveja e falatório diante do arrojo inovador de Miguel Francisco. Era o tempo
da descoberta das célebres minas de ouro da Califórnia, nos Estados Unidos, e
até no sertão se falava e se sonhava com aquelas riquezas. Um primo e rival
mandou recado irônico: como ia seu Miguel com a sua Califórnia? O velho riu,
gostou do nome, e assim a fazenda se batizou por “São Francisco da Califórnia”.
Na capela inaugurou-se a imagem do orago, um São Francisco de talha primitiva e
forte; que hoje, aliás, está na capela do cemitério, onde o refugiamos para
salvar da fúria airada de um vigário alemão que pretendia incinerar “aquela
feiura barroca” e o substituiu por um santo de gesso, loiro, rosado, coberto de
dourados.
Meu
tio Miguel não tinha filhos: deixou tudo que era seu para meu avô, o dr.
Arcelino; e nas mãos do novo dono a Califórnia virou realmente um condado.
Mudou-se a casa-grande (que, no sertão, nós chamamos simplesmente “a fazenda”)
para o outro cabeço, do lado de lá do sangradouro. Imensa, rodeada por fundos
alpendres de 3 metros, 57 portas e janelas, salas e salões, quartos e alcovas
onde se podem armar 120 redes. Nas festas do centenário, lá se hospedaram 125
pessoas. Por trás da “fazenda”, o vale profundo do sítio, o cano de irrigação
partindo do açude, as valetas regando em sucessão primeiro a famosa horta de
minha avó, depois o pomar onde se cultivavam até fruta-pão e jambo, até uvas.
Além do pomar, o vale se alargava mais, e era o canavial.
Entre
a “fazenda” e o açude, a “fábrica”: o engenho a vapor, os tachos de apurar a
garapa, o locomóvel que apitava como um trem, o alambique, os paióis de
rapadura e, por fim, em plano mais baixo, no escuro, deitando um cheiro forte
que tonteava, a adega onde dormiam os tonéis de cachaça.
Pena
grande foi meu avô morrer cedo, deixando a viúva com dez filhos. Mas, mesmo em
mão de viúva, a fazenda não decaiu. Ao contrário, parecia mais viva, com a
presença frequente dos filhos, genros, noras e nós, as dezenas de netos. Dos
sete filhos, cinco tiraram grau de doutor, o sexto fez seminário até o último
ano, só o caçula não se formou. Concluídos os preparatórios, foi ele o
escolhido para morar com a mãe e tomar conta da Califórnia. Só depois que ela morreu
é que ele, solteirão, casou com uma prima. (A gente, na minha família, casava
preferencialmente com primos. Dos dez da Califórnia, metade casou com primo ou
prima.)
Até
à morte de Dona Rachel, a Califórnia era mesmo o centro do nosso mundo. Era lá
que nós os netos passávamos as férias, nas danças ao som de piano ou gramofone,
cavalgatas, novenas, namoros.
Morta
a avó, ficou de dono o caçula; nos anos em que lá esteve, se não fez
melhoramentos, pelo menos não deixou que nada arruinasse. Mas aí ele morreu (já
viúvo) e a consanguinidade tinha atacado os herdeiros, jovens e irresponsáveis.
Fazendeiro nordestino tem terras e senhoria, mas dinheiro vê muito pouco. E os
órfãos queriam ver dinheiro na mão. Começaram vendendo cabras e ovelhas, depois
passaram ao gado. Venderam o engenho, o locomóvel, o alambique.
E,
parte a parte, foram vendendo afinal a terra da Califórnia – e por tutameia*. A
família não se envolveu – os moços faziam tudo às ocultas, “tinham cisma de
parentes”. Quando se viu, acabavam de vender até a casa-grande que, aliás, está
caindo em ruínas.
Agora
surgiu um problema que já deu até crime de morte. Acontece que os velhos
moradores, descendentes da indiada e da escravaria do tempo de meu tio Miguel,
sempre moraram na rua e plantaram nas croas do rio. Roçados que passam de pais
a filhos há mais de século. A rua fica no Patrimônio, isto é, à terra do santo.
Como é sabido, quem constrói igreja rural, tem que doar ao orago um patrimônio
em terras que lhe sustente os serviços do culto. O velho Miguel demarcou para
esse fim um retângulo generoso, que vai da “rua” ao cemitério e desce em
procura do rio por mais de 1 quilômetro. Na degringolada os herdeiros deixaram
que caducasse o aforamento perpétuo com que o velho garantira a posse efetiva
do terreno: o Patrimônio reverteu à Cúria de Quixadá, que o administra. E os
padres, por sua vez, passaram a lotear o Patrimônio. A velha rua se “urbaniza”,
desfigurada em arruado, pululante de bodegas e biroscas. Mas o pessoal antigo
que ainda mora lá quer continuar plantando nos seus velhos roçados que hoje
pertencem a novos donos, diversos. Os donos novos querem reaver a terra; a
disputa se envenena e, como já se disse, deu até crime de morte.
Na
Califórnia, que já foi um condado, só existe hoje miséria e rixa.
A
casa-grande assiste a tudo e protesta se desmoronando. No inverno passado caiu
a queijaria de minha avó. Antes, ruíra o terraço empedrado. De longe a
“fazenda” ainda faz figura, mas de perto está morrendo.
* Tutameia (éia) = Mixaria.
(Esta crônica foi publicada, com
pequenas mudanças, no livro TANTOS ANOS, de Rachel de Queiróz e sua irmã Maria
Luísa de Queiróz.)
O DISTRITO
DE CALIFÓRNIA, EM QUIXADÁ
Por Maria Marta Cruz
(mariamartacruz.blogspot.com)
Surgiu como Fazenda
Califórnia, que desenvolveu-se sendo a melhor da região e ao seu redor nasceu
um pequeno povoado formado por casas de escravos e pessoas das imediações que
criaram núcleos e ergueram uma capela dedicada a São Francisco de Assis,
atualmente denominada de São Francisco da Califórnia.
Com cerca de 2.000
habitantes, na linda praça do do distrito acontece o Festival do Milho, as festas
em louvor a São Francisco, padroeiro do distrito, os eventos da Igreja Católica
e evangélicos, estes organizados pelos templos da Assembléia de Deus Bela Vista
e Assembléia de Deus Templo Central, noites culturais e feiras com produtos da
agricultura familiar. E a bola rola com as partidas de futebol entre os times
São Paulo e Vila Nova Futebol Clube, no Campo de Futebol da localidade, sendo
uma das grandes diversões dos jovens .
O belo rio Choró corta
o distrito, sendo ele uma das principais fontes de abastecimento hídrico, além
de existir um grande açude, que de tão belo tornou-se ponto de encontro e
visitação pública. Há no distrito uma área de assentamento do INCRA.
Visitei a localidade
quando fui participar do matrimônio dos amigos Valmir e Leide, sendo
acompanhada das amigas FranCelebridade, Leidinha e Tatiana Alves, a bela filha
da localidade, irmã da noiva e membro de tradicional família local.
Sob a sombra de um
centenário Juazeiro, fiz pose com alguns membros da numerosa família Alves. Lá
existe realmente “A Casa das Sete Mulheres”: são as belas irmãs Angélica, Maria
do Carmo, Ticiana, Tatiana, Leide, Daniele e Daiane.
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