quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

MAIS UM TALENTO QUE PARTE



Forró em Luto: 
Morre Dejinha de Monteiro aos 67 anos

O cantor e compositor paraibano Dejinha de Monteiro faleceu na manhã deste domingo (22), em João Pessoa. Geneci Bispo Lourenço, nome de batismo do sanfoneiro, tratava de um câncer no intestino.

É melhor que seja agora, um dos sucessos do grande sanfoneiro de Monteiro




Em novembro Dejinha passou por uma cirurgia, da qual ainda se recuperava. 
A família confirmou a morte nas redes sociais.


UM POUCO DA HISTÓRIA DO GRANDE SANFONEIRO

Dejinha nasceu em 1952 na cidade de Monteiro, na Região do Cariri paraibano. Era um dos 13 filhos de uma família de agricultores. Seu primeiro instrumento foi um pandeiro e recebeu todo o apoio e incentivo dos parentes para atuar na vida artística. Mas foi na adolescência que deu um passo mais significativo, definindo seus rumos na música: ganhou do irmão mais velho uma sanfona, trazida de Brasília como presente.

Contudo, a vida como sanfoneiro era difícil e seu pai preferia que ele continuasse se dedicando à agricultura, que lhes conferia uma renda fixa para sustento da família. O jovem, por sua vez, não desistiu do sonho. Aventurou-se pelo mundo, mostrando o seu trabalho e a cultura nordestina.
As primeiras apresentações aconteceram nos sítios da região. Dejinha acompanhava um sanfoneiro com o seu pandeiro e, entre os shows, usava o instrumento do amigo para repetir os acordes e aprendê-los. O início da sua carreira profissional começou com as viagens pelo país em busca de conquistar um espaço como cantor regional e divulgar as suas canções, os ritmos que nasceram do Nordeste: o xote, o xaxado, o baião, o coco-de-roda ou coco-de-embolada.
O primeiro destino de Dejinha foi Brasília, onde permaneceu por dez meses. Depois, viajou para o Rio de Janeiro, onde viveu por 12 anos, divulgando o seu trabalho como cantor e compositor nas rádios locais. Participou de programas da Rádio Globo, Rádio Nacional e Rádio Federal de Niterói (RJ). Nesse período fez amizades com o Trio Nordestino, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Marinês, Messias Holanda e Elino Julião. Ainda no Rio de Janeiro, chegou a tocar na mesma casa de shows em que o Trio Nordestino se apresentava no seu auge da carreira.
O nome artístico nasceu no período em que ainda estava no Rio de Janeiro. O apelido Dejinha foi dado por sua avó, já o “de Monteiro” o cantor acrescentou com o objetivo de levar no seu nome a cidade que representava as suas origens.
No estado de Goiás, em 1966, Dejinha participou de uma campanha política, tocando por 70 noites na capital, Goiânia. Nessa época, os artistas mais comentados no estado eram de outras regiões do país, como Elba Ramalho e Zé Ramalho.
Foi em Goiás que o paraibano conheceu o cantor Amado Batista, que, na época, tinha uma loja de discos e há pouco havia gravado o seu primeiro compacto. Em Goiás, Dejinha tocava o tradicional forró pé-de-serra na casa de shows Rancho da Alegria, que sempre lotava nas suas apresentações, caracterizadas pelo estilo do forró tradicional, enfatizando histórias românticas nas letras das suas melodias.
Além das suas músicas, o monteirense cantava os sucessos do cantor Luiz Gonzaga, porém com uma nova roupagem, acrescentando novos arranjos musicais para deixar o ritmo mais animado.
Em 1989, Dejinha produziu e lançou o seu primeiro LP. Nos dois anos seguintes, com o surgimento das bandas de forró, não realizou outras gravações. Porém chegou a participar do ‘Programa do Bolinha’, da TV Bandeirantes, e produziu o primeiro CD da Banda Magníficos.
Foram 40 anos de estrada, sendo 27 vividos profissionalmente, com quatro LPs, 26 CDs, um DVD e mais de 350 músicas registradas. Entre as músicas criadas pelo cantor, ‘Amor e saudade’ é uma das mais pedidas pelo público durante os shows.
O monteirense firmou grandes parcerias ao longo do seu trabalho com Flávio José, conterrâneo da cidade Monteiro, Jorge de Altinho, Chico César, Santanna, entre outros que também divulgam em suas músicas a cultural regional. Em 2008, o cantor foi homenageado com o troféu “Asa Branca” pelo Forró Fest, evento realizado pelas TVs Cabo Branco e Paraíba. Nesse ano os homenegeanos foram Sivuca, Marinês, Zabé da Loca e o próprio Dejinha.

Redação com Diário da PB


sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

EXPERIÊNCIA DAS PEDRAS DE SAL



'Pedras de Sal' são usadas na véspera do dia de SANTA LUZIA (13 de dezembro) para prever o tempo no sertão


Pedras são usadas na virada para saber se ano novo será chuvoso ou não.

Do G1 RN

Os longos períodos de estiagem no sertão nordestino e a fé característica de seu povo fizeram surgir experiências que se tornaram crenças populares. Através de uma delas, no município potiguar de Governador Dix-Sept Rosado, a 320 quilômetros de Natal, a sabedoria popular diz que é possível saber se o ano que se aproxima será chuvoso ou de seca. Lá, as 'Pedras de Sal de Santa Luzia' são usadas às vésperas do ano novo como previsão do tempo.
Aos 88 anos, dona Mariquinha, aposentada, é conhecida na cidade por manter os costumes que aprendeu com a avó. Todos os anos, entre a noite do dia 12 e a madrugada do dia 13 de dezembro, ela usa um pedaço de giz para marcar em uma tábua os seis primeiros meses do ano. Em seguida, coloca uma pedra de sal em cima de cada marca. A tábua com as pedras é colocada sobre a cisterna da casa e, antes do nascer do sol, Mariquinha retorna para verificar o resultado. Caso a pedra posta sobre o mês de janeiro derreta e escorra até a área demarcada para fevereiro, o ano será chuvoso nesses primeiros meses, e assim sucessivamente.



A treze do mês

ele faz experiência
perdeu sua crença
nas pedras de sal...
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra
pensando na barra
do alegre NATAL. 

(Patativa do Assaré)


EXPERIÊNCIA É ANTIGA E VEM SENDO DOCUMENTADA PELA LITERATURA NORDESTINA

Na obra "A Terra e o Homem no Nordeste", o geógrafo Manuel Correia de Andrade apresenta um minucioso relato do que podemos considerar uma cronologia das práticas do sertanejo neste aspecto:

“Assim, preocupando-se com uma possível seca, o sertanejo está sempre às voltas com as ‘experiências’ e prognósticos sobre a possibilidade de chuvas nos anos que virão. Para estas ‘experiências’ o dia de Santa Luzia (13 de dezembro) é o mais importante, uma vez que o toma como ponto de referência para o mês de janeiro do ano seguinte e os dias que se seguem correspondem aos outros meses (assim o dia 14 é fevereiro, 15 é março, 16 é abril e assim por diante até o dia 24 que corresponde ao mês de dezembro). No dia em que chover, o mês correspondente será de chuva e naquele em que não chover, o mês correspondente será seco.
Outra experiência consiste em colocar-se seis pedras de sal, representando os seis primeiros meses do ano (vindouro) sobre um plano, no ‘sereno’, na noite de Santa Luzia. Pela manhã, a pedra que mais estiver dissolvida representa o mês mais chuvoso do ano que se segue. Se essas experiências derem resultados negativos, o sertanejo, apreensivo, começa a pensar nos horrores da seca e na possível necessidade de retirada.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Manuel Bandeira e Quixeramobim



SAUDADES DE QUIXERAMOBIM

Manuel Bandeira*

O cabeçalho desta crônica mais parece título de alguma valsinha. Aliás, se eu tivesse bossa para a música, gostaria de compor três valsinhas – Saudades de campanha, Saudades de Teresópolis e Saudades de Quixeramobim. Poria num chinelo a Antógenes Silva com as suas Saudades de Ouro Preto e Saudades de Uberaba, essas duas delícias.

Creio que as saudades de Quixeramobim não são as que mais doem. Como me doem as de Paris. Porque a verdade é que não estive em Paris: estive durante três dias num quarto de hotel na Rua Balzac. Do mesmo modo, não estive em Quixeramobim: estive durante uns meses num sobradão da praça principal da cidade, em frente à velha matriz, e se estou batendo esta crônica de saudade é porque vi n’O Cruzeiro** de umas semanas atrás uma fotografia do templo, não como é agora, desfigurado pela restauração, mas como era ainda em 1908.


Os dois veteranos pardieiros, a igreja e o meu sobrado, pareciam as duas personagens de um apólogo dialogal. Dois fantasmas. A casa dava fundos para o rio, de sorte que, logo que eu cheguei, fui à janela ver o rio. Foi uma grande lição de geografias: não havia rio nenhum: O Quixeramobim estava seco, seco; o que eu vi foi um areal, branco como uma praia, sobre o qual se arqueava a enorme ponte de estrada de ferro. E nesse areal várias cacimbas. O sobrado, que tinha um ar de mal-assombrado, era de tantas e tão espaçosas peças, que a matuta que levei para lá como cozinheira se perdia nele e um dia me disse, atarantada, que não sabia navegar naquela casa, não!

Eu vivia encantoado na sala da frente, que de um oitão a outro, com várias sacadas para o largo, mobiliada (atenção, revisor: não ponha “mobilada”, que é uma palavra que eu detesto!) com uma cama-de-vento, uma cadeira e um lavatoriozinho de ferro.

De vez em quando morria um cidadão de Quixeramobim e o sino grande da matriz entrava a dobrar. Era formidável. Sino de Quixeramobim, baterás por mim? Dizia eu comigo pressagamente. Quantas vezes, a horas diversas, chegava eu a uma das sacadas de frente e ficava a olhar a velha igreja! Onde nunca entrei e hoje tenho pena. Tudo isso virou saudade e sinto grandemente não ter bossa para escrever a valsinha que a exprimisse bem no estilo amolescente de Antenógenes Silva.


* A crônica Saudades de Quixeramobim, de Manuel Bandeira( 1886/1968), escrita em 1956, faz parte da coletânea de crônicas do autor pernambucano publicada, em 1957, no livro Flauta de Papel – Coleção Cronistas do Brasil. O grande poeta brasileiro relembra os dias em que esteve na cidade cearense (também passou curta temporada em Maranguape e Uruquê), em 1908, em busca de clima apropriado para tratar de tuberculose, doença que o atormentou até a morte.

(Eliézer Rodrigues, revista Singular)



** Abaixo, veja fac-símile das páginas da revista O CRUZEIRO, onde o cearense Gustavo Barroso escreveu um belo artigo sobre a vetusta matriz de Quixeramobim.







quarta-feira, 16 de outubro de 2019

SAIU NO DIÁRIO

Feira do Cordel Brasileiro traz atrações com programação gratuita

A quarta edição do evento acontece na Caixa Cultural Fortaleza entre os dias 17 e 20




Cordelistas cearenses, homenageados e convidados especiais, participam da IV Feira do Cordel Brasileiro | FOTO: FABIANE DE PAULA

Respirar entre a tradição e a modernidade: essa é a proposta da IV Feira do Cordel Brasileiro, que acontece de quinta-feira (17) a domingo (20), na Caixa Cultural Fortaleza. Este ano, o evento é apadrinhado pelos mestres da cultura Chico Pedrosa e Bule-Bule, e homenageia Jackson do Pandeiro (centenário), João Melchíades Ferreira (sesquicentenário), Alberto Porfírio (in memoriam) e o comunicador Carneiro Portela.

Cada homenageado ganhará o nome de um palco/espaço, a ser ocupado com lançamentos literários, exposição de obras raras, vendas de folhetos, livros, camisetas e CDs, além de shows, recitais, palestras, oficinas de xilogravura e de cordel.

"É uma grande celebração da cultura popular, mais especialmente da literatura de cordel, esse gênero literário que consegue dialogar com todas as outras artes: cinema, teatro, televisão, histórias em quadrinhos, ilustração. E assim chega a todas as pessoas", resume o cordelista Klévisson Viana, idealizador da Feira. Essa diversidade de linguagens e expressões é perceptível em cada perfil convidado para a festa, incluindo mestres do cordel e da cantoria, xilogravuristas, atores e pesquisadores.


O cordelista cearense Klévisson Viana é o idealizador da Feira do Cordel Brasileiro
FOTO: ÉRIKA FONSECA

ATRAÇÕES
Um dos destaques da programação é o multiartista Antônio Nóbrega, que ministrará na sexta-feira (18), às 14h30, a aula-ilustrada "Da quadrinha ao galope à beira-mar". Nela, o pernambucano relata o modo como foram se constituindo os vários gêneros e modalidades da poesia improvisada popular brasileira, especialmente a nordestina.


O multiartista Antônio Nóbrega (PE) ministrará aula na IV Feira do Cordel Brasileiro
FOTO: DIVULGAÇÃO
Klévisson conta que o contato com o artista se deu em agosto, durante a XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará. "Ele me ligou dizendo que estava montando uma Cordelteca no Brincantes, o instituto dele em São Paulo. Aí eu disse que, para ele atualizar o acervo o lugar certo era aqui na Feira do Cordel Brasileiro. A gente pega o homem é na palavra, é assim que a cultura popular se relaciona", diz.

O mestre da cultura cearense Geraldo Amâncio, por sua vez, fará uma apresentação de repente, no sábado (19), às 18h, ao lado do parceiro Zé Vicente. Dentro da perspectiva de inovar a tradição, ele, aos 73 anos, revela um diferencial que traz no próprio show. "Antes o cantador nem olhava para o rosto das pessoas. Eu já sou de uma época que os cantadores interagem. Se o povo canta em show, culto, missa, porque não cantar em cantoria?", provoca.


Os mestres Geraldo Amâncio (CE) e Bule-Bule (BA) integram a programação | FOTO: THIAGO GADELHA

Essa dinâmica, para Geraldo, acaba por atrair uma nova geração de cantadores, que inclusive estará presente na abertura da Feira. Às 18h da quinta (17), o público poderá comprovar isso no repente ao som da viola de Fabiane Ribeiro (MA) e Guilherme Nobre (CE), ambos com 18 anos. "É importante que a meninada veja que a cultura popular não é algo feito só pra idosos. É vigoroso, moderno, dinâmico, se atualiza, se adapta", pontua Klévisson Viana.

DISCUSSÕES
Ao longo dos dias, a Feira contará também com importantes reflexões, a exemplo da mesa "O cordel como objeto de pesquisa", com Gilmar de Carvalho; do recital "As mulheres no cordel", com Julie Oliveira (CE), Bia Lopes (CE) e Ivonete Morais (CE); e da palestra "A diversidade na ilustração de folhetos de cordel", com Jô Oliveira, entre outros convidados.

Vale destacar ainda na programação, a presença do neto de Patativa do Assaré, Daniel Gonçalves, com o recital "O Patativa que eu conheci", e o show "Cantigas para bem viver'', com a médica e cordelista Paola Torres, idealizadora da Cordelteca da Universidade de Fortaleza. Ambos acontecem no sábado, às 19h e 20h, respectivamente.

PRIMEIRO DIA

Quinta-feira (17) - Teatro: Jackson do Pandeiro

14h - Abertura:
Participação dos mestres do cordel e da cantoria. Declamação com Klévisson Viana (CE) e Aldanísio Paiva (CE); apresentação com Mestre Bule-Bule (BA), Jefferson Portela (RJ) e Zé Rodrigues (CE), César Barreto (CE) e do Grupo Cordel de Raiz, da EMEF Ernesto Gurgel Valente (Aquiraz/CE)

15h10 - Mesa "O cordel como objeto de pesquisa" Com Gilmar de Carvalho (CE); "Cordel Cearense", Vládia Lima (CE); "Alberto Porfírio", Ana Claudia Veras (CE); "Caldeirão" e Alberto Perdigão (CE)- "Jornalismo em Cordel" Mediação do professor e cordelista Stélio Torquato Lima (CE)

Sala de Ensaio: José Pacheco 15h
Oficina de xilogravura com o mestre Francorli (CE) e Lucélia Borges (BA) Café: Luiz Gonzaga

15h40 - Lançamento de folhetos da Cordelaria Flor da Serra (CE)

Sala Multiuso: Palco Alberto Porfírio 16h40
Recital "As mulheres no cordel" com Julie Oliveira (CE), Bia Lopes (CE) e Ivonete Morais (CE)

17h30 - Recital com Dideus Sales (CE)

18h - Repente ao som da viola com Fabiane Ribeiro (MA) e Guilherme Nobre (CE)

19h - Show "Cantigas do Sertão" com José Rodrigues (PE) e o Trio Cabeça de Fósforo (CE), participação especial do mestre Bule-Bule (BA)

19h40 - Recital "Não nego minha raiz" com o "Pequeno Poeta" Regenildo Paiva(CE)

20h - Show "De cantigas e romances" com Eugênio Leandro (CE), participação especial de David Simplício (CE)

SERVIÇO
IV Feira do Cordel Brasileiro

De 17 a 20 de outubro, na Caixa Cultural Fortaleza (Av. Pessoa Anta, 287, Praia de Iracema).
Todos os dias a partir das 14h.
Gratuito
Contato: (85) 3453-2770

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

LEOTA POR RACHEL



LEOTA E LUIZ DANTAS QUEZADO

Leonardo Mota [I]
Por: Rachel de Queiroz

Rachel de Queiróz

17 Abril 2010 – O POVO
[Publicada originalmente em 15 de janeiro de 1948]
Fonte: Blog do jornalista Plinio Bortolotti

Morreu o meu amigo Leonardo Mota, o nosso querido Leota, o que é, realmente, uma grande tristeza. A obrigação de morrer pode ser um alívio para quem morre – e para ele talvez o fosse, maltratado pela doença há tantos anos -, mas é bem melancólico para os que ficam. É como o soldado que, caindo, se livra da guerra e das suas misérias; enquanto os companheiros que continuam lutando, além das misérias da guerra, ainda sofrem a falta do camarada perdido.

E, ditas estas primeiras palavras – vede como era forte a personalidade humana desse que foi embora -; à notícia de sua morte o que todos lamentam é o indivíduo, o velho amigo perdido; e só depois de o chorar como simples criatura nossa irmã, é que recordamos o brasileiro ilustre que ele foi, o mestre indisputado do nosso folclore, e a importância da sua obra; e realizamos quão dura perda a morte desse homem enfermo, que durante anos engoliu amarguras e dores no fundo de sua rede, representa para a inteligência brasileira.

Talvez poucos, talvez nenhum na sua especialidade, tenha contribuído mais para o aproveitamento e estudo do folclore nacional. Leonardo Mota era desses que acreditam em colher o fruto na árvore e não comprá-lo embalsamado em caixetas de papelão. Ia apanhar a cantiga na boca dos cantadores, sem intermediário de ninguém, entendendo-se com os poetas sertanejos de igual para igual, por eles respeitado e querido. Nada tinha em comum com os nossos sertanejos de gabinete que entendem muito de cantadores e cangaceiros de retrato, especialistas em material de segunda mão, que estudam e pontificam servindo-se de textos colhidos sabe Deus onde e como, Leota era daqueles trabalhadores humildes e obstinados que só compreendem a obra feita com as próprias mãos. Internava-se durante meses e até durante anos por esse sertão de meu Deus, enchendo cadernos, infatigavelmente, sempre de lápis na mão, ouvindo, registrando, selecionando, com perícia exemplar, com honestidade exemplar, e dele jamais se soube dum texto enxertado, ou “melhorado”, de uma improvisação de preguiçoso ou de vaidoso para suprir alguma falha.

Os cantadores, que são os intelectuais da cantiga, consideravam alta honra serem por ele ouvidos, a mais de um cantador ouvi gabar-se em rima, num desafio, entre outras vantagens excepcionais, que “já andava nos livros do doutor Leota”. Pois, “andar nos livros de Leota”, representava para eles a consagração definitiva, uma espécie de doutorado de repentista. E por ser assim amado e estimado pelos seus modelos, podia colher o material de estudo na sua beleza mais primitiva e genuína, como o encantador de passarinhos que consegue escutar o canto dos mais ariscos voadores no próprio instante espontâneo em que é improvisado. A contribuição de Leonardo Mota foi, pois, inegavelmente preciosíssima para o estudo e aproveitamento do imenso material folclórico por ele colhido e posto em livros, durante algumas décadas de trabalho; e contudo, grande também é a contribuição indireta dessa obra na formação da moderna linguagem literária do grupo de escritores do nordeste. Ele foi como que uma fonte viva da língua para nós todos, proporcionando-nos elementos de renovação, de enriquecimento, pondo-nos em contacto direto com a esquecida ou desprezada linguagem do povo, devolvendo-nos a força da terra, debilitada por tantos anos de pedantismo e preocupações helênicas e promocionais. Foi ele assim para nós uma espécie de precursor e mestre, e muitíssimo lhe devemos.


Leota e seus cantadores - Jacó Passarinho e Cego Aderaldo

Leonardo Mota [II]
Por: Rachel de Queiroz
(24 Abril 2010 – O POVO)

Eu, de mim, especialmente, não sei como lhe pague o que me ensinou. E a releitura constante de sua obra deixou de ser para nós, que a procuramos, além de puro deleite intelectual, uma oportunidade de renovação, uma lição de simplicidade; vale tanto quanto a releitura dos clássicos – não fosse o povo o grande clássico, guardador de relíquias, renovador de formas esquecidas, criador de formas novas, único elemento realmente fecundo e indispensável no processo de conservação e desenvolvimento da língua.

A estirpe de pesquisador a que pertencia Leonardo Mota anda quase desaparecida ou talvez de todo extinta. Só nos aparece agora como figura de romance ou de anedota; realmente, quem vê mais, o estudioso que se larga dos livros e dos professores e vai apanhar o objeto dos seus estudos lá no lugar onde ele nasce e medra? Desses que saem a cavalo, sertão a dentro, desprezando dificuldades, rigores e perigos, maltratando a saúde, atrás de coisas frágeis e sem importância aparente: uma flor, um inseto, uma cantiga? Enfrentava bandidos para lhes ouvir as façanhas dos próprios lábios e registrá-las conscientemente nos seus livros. Era capaz de andar léguas e léguas no chouto duríssimo de um cavalo de vaqueiro só para ouvir um cantador novo ou anotar as novidades de um cantador conhecido. Aquele homem gordo bom bebedor, bom comedor, bom falador, era, apesar da sua aparência indolente, capaz de “suar como tampa de chaleira” (expressão usada por um matuto a seu respeito, segundo ele próprio conta) e se danar caatinga a dentro, cozinhando no sol, cortando pedregulho e mato espinhento, só para enriquecer com mais uma quadra nova os seus cadernos já cheios.

E a obra que deixou, apesar de interrompida pela enfermidade, ai está: copiosa, legítima como uma pepita de ouro e tal como uma pepita bruta cheia de riqueza em potencial, na maioria ainda não aproveitadas. Mas paciência, nela ainda hão de abeberar sedentos os eruditos, e engordar, e disputá-la e enxergarem ao seu redor como moscas.

Foi ele um dos poucos brasileiros que se atreveu a estudar Lampião d-aprés nature, – e colher o anedotário lampiônico dos próprios lábios do herói bandido, dos seus companheiros de bando, dos coiteiros e dos macacos que o caçavam. E dele é, por isso mesmo, o melhor contingente de material que possuímos a respeito do “imperador do sertão”, – e material que traz o selo de genuíno, de garantido, de absolutamente de primeira mão, colhido por alguém que não tinha paixões pró nem contra, que não tinha outra paixão além da paixão da autenticidade.

Leonardo Mota deixou filhos que são homens de inteligência e sabem apreciar como devem o valor da obra de seu pai. Deles esperamos a reunião de tudo que ficou disperso, a valorização do que anda inaproveitado por folhas de jornais, por cadernos rabiscados a lápis, por rascunhos de conferências; eram aliás essas conferências, tão saborosas tão pitorescas, tão ricos de conteúdo poético, que quem as ouviu, não as esquece; e realizavam o milagre de reunir auditórios entusiásticos e enchiam casas à cunha nas mais adormecidas cidades de interior.

Não é possível que se perca ou se esqueça contribuição tão importante para a nossa cultura; e grande será a alegria de todos nós, que fomos amigos e discípulos de Leonardo Mota, constatar que entre a gente mais moça se renova e se multiplica o conhecimento da sua obra, e se ampliam o interesse e a admiração que nós lhe devotamos.


segunda-feira, 30 de setembro de 2019

CEARENSES EM PORTUGAL


Poetas cearenses participam de encontro em Portugal promovendo novos olhares sobre literatura

Por Diego Barbosa,



Bruno Paulino, Renato Pessoa, Mailson Furtado e Dércio Braúna: autores em trânsito
Fotos: Tarcísio Filho/WG Fotos/Helene Santos/Thiago Gadelha

A literatura é feita a partir do diálogo com o mundo e a vida. Tal premissa, alimentada pelo escritor, psicólogo, mestre e doutorando Francisco Welligton Barbosa Júnior, foi mola propulsora para que pudesse idealizar uma ação que conectasse escritos. Diminuísse as fronteiras, oportunizasse o contato.

“A ideia de realizar o evento surgiu ao fim do último ano, a partir da união entre dois fatos: quando paramos e refletimos sobre o fenômeno atual em que literaturas vêm sendo produzidas e se destacando por parte de jovens autores, que fazem, de seus escritos, exercícios de resistência; e, junto a isso, a necessidade de pensar e discutir a arte para além de conservadorismos e olhares unidirecionais sobre a temática”, explica.
Assim nascia o I Encontro Interdisciplinar de Estudos sobre Literatura: Novos Olhares entre o Ceará e o Alentejo. Realizada nos dias 9 e 10 de outubro em Évora, Portugal, a empreitada buscará, ao longo dos dois dias, investir em mesas e conferências que contemplem temáticas sobre literatura, patrimônio cultural, arte, e relações com psicologia, filosofia, política, entre outros assuntos. Também haverá lançamentos de obras por parte dos autores convidados.

Falando neles, quatro poetas cearenses aportarão do outro lado do Atlântico para suscitar renovadas perspectivas sobre as produções locais. Bruno Paulino, Dércio Braúna, Mailson Furtado (por meio de conferência online) e Renato Pessoa nos representarão em abrangência de atividades, ao mesmo tempo que alavancarão nossas letras a um novo patamar.

ALCANCE
Conforme Welligton, a justificativa para convidar os autores está diretamente ligada ao fato de serem artistas que, quer seja no sertão, quer seja nas periferias da cidade grande, vêm contribuindo para o fazer literário da nova geração cearense, com olhares questionadores e relevantes no cenário em que escolheram atuar. “Cada um a seu modo tratam de um tema que nos é valioso: nossas identidades nos tempos de hoje”.

A opinião é compartilhada com Cristina Santos, professora do Departamento de Linguística e Literatura da Universidade de Évora. Ela, que desenvolve trabalho de investigação em literatura contemporânea – em especial poesia portuguesa e brasileira –  situa a necessidade de volvermos análises e mergulhos entre as duas nações.

“As fronteiras geográficas são cada vez mais fáceis de superar e, no mundo atual, perante uma tão grande crise de valores e a evasão de populismos de várias ordens, a literatura e, neste caso específico, a poesia de poetas oriundos de lugares mais distantes dos grandes centros políticos e econômicos, terá muito a ganhar em ser divulgada e nos mostrar outros aspectos sobre o mundo hoje”.
Junto a ela e Welligton, o professor Fernando Gomes; a escritora e doutoranda Liz Teles; o escritor e mestrando Alexandre Rodrigues Sobrinho; e o escritor, mestre e pesquisador Marlo Lopes, igualmente compõem a organização do evento. O time busca atuar no campo da literatura pensando em outras possibilidades que não as tradicionais.

RESSONÂNCIAS
Quixeramobinense, Bruno Paulino acredita que a própria ideia de sertão nordestino vem do “desertão” português, como pensou o escritor Gustavo Barroso. “Assim, a região do Alentejo e o sertão cearense se irmanam nesse sentido, num canto comum, de natureza e humanidade. Acho que as potências poéticas da contemporaneidade entre os dois locais continuam vivas. Afinal, feito cantou Chico Buarque, herdamos do sangue lusitano uma dose de lirismo”, observa.

“A literatura cearense, e isso já tem um tempo, tenta fugir do estereótipo monotemático pelo qual ficou identificada, de falar apenas sobre a seca e suas consequências. Acredito que é isso que os portugueses estão querendo investigar. Hoje, os escritores do Ceará tem outras pautas, outras inquietações que passam, sobretudo, pelo conturbado momento político que o País vive”, complementa o poeta, autor de livros como “Lá nas Marinheiras” (2013), “A Menina da Chuva” (2016) e “Pequenos Assombros” (2018).

Por sua vez, Dércio Braúna, de Limoeiro do Norte – que, entre outras atividades, lançará individualmente o último livro de sua autoria, “Esta Solidão Aberta que Trago no Punho”, durante o evento – tece comentários sobre suas percepções a respeito do lugar para onde vai.

Segundo ele, “o Alentejo português que conheço vem da literatura, especialmente a partir do ‘Levantado de Chão’, de José Saramago. Foi a partir dele que passei a buscar compreender melhor esse espaço, que em Saramago aparece historicamente marcado pela ‘santíssima trindade’: Estado, Igreja e Latifúndio”.

Nessa perspectiva, haveria marcas históricas na formação de ambos os espaços, que podem ser pensadas considerando proximidades e diferenças. “Penso que as literaturas hoje feitas em ambas as geografias, que delas partem mas a elas não se prendem, podem ser boas formas de construir olhares outros sobre esses espaços e suas ‘heranças’ escriturais”.

DIMENSÕES
Completando a tríade de artistas do interior cearense que estarão no evento, Mailson Furtado também participará da mesa “Literatura em meus lugares: experiências, desafios e outras possibilidades”, no dia 9, junto aos outros convidados daqui. O poeta, vencedor do Prêmio Jabuti, confessa que, apesar de nunca ter pisado em Portugal, descobriu que a cidade de Évora é parte fundamental de sua história genealógica.

“Muitos dos meus familiares vieram de lá para cá no século XIX e se estabeleceram aqui no sertão cearense”, sublinha. “Então, ao participar do encontro, vem muito essa questão do ser, detalhes particulares que me deixam muito feliz de poder conversar e abordar um pouco sobre”.

Percebendo que o contato entre as duas matrizes, brasileira e portuguesa, tem cada vez mais se aproximado, Mailson torce para que esse estreitamento se intensifique com a ação. “Há trabalhos artísticos que nos unem bastante e quando o intercâmbio começa não há prazo de validade. Sempre há coisas a acrescentar para torná-lo perene”.

Renato Pessoa é o representante de Fortaleza. Autor com forte atuação nas periferias da cidade, é também crítico literário, ativista cultural e professor de Filosofia empenhado em estender o raio de alcance daquilo que acredita potencializar novas perspectivas sobre a arte.

“A literatura subverte geografias e limites linguísticos. E, no final de tudo, o tema central dessa linguagem é o ser humano, estando ele no interior do Ceará ou no centro de Évora. Em qualquer parte do mundo onde habita o homem, há dramas e fissuras, angústias e conflitos, perguntas essenciais. Há crise social e necessidade de dizer-se. Levaremos os dizeres daqui, experimentaremos os dizeres de lá”.

Não à toa, se há palavra, sob sua opinião, que pode descrever a experiência às portas de se realizar, é comunhão.

“Levaremos o Ceará em nossas letras, vivências, indignações e esperanças – sobretudo nas circunstâncias políticas atuais, onde impera, no Brasil, um momento de ódio e repulsa contra a cultura, educação, professores e escritores. Com o atual governo, estamos, como viventes e artistas, cada vez mais ameaçados pela censura e mediocridade. Estar ao lado de escritores indignados, revoltados, em um evento internacional, é de fato mais potente”.
Serviço
I Encontro Interdisciplinar de Estudos sobre Literatura: Novos olhares entre o Ceará e o Alentejo
Dias 9 e 10 de outubro, na Universidade de Évora, em Portugal. Mais informações e inscrições pelo e-mail encontroliteratura.uevora@gmail.com.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

HOMENAGEM


Artista Espedito Seleiro é homenageado com o Troféu Sereia de Ouro


Com vida e obra abraçadas pelo couro, Espedito Seleiro é referência desse artesanato sertanejo | Foto: Thiago Gadelha

O cientista Fernando de Mendonça, a desembargadora Iracema do Vale e o médico Sulivan Mota também recebem a comenda do Sistema Verdes Mares, na sexta-feira (27), no Theatro José de Alencar

Desde criança, Espedito Velozo de Carvalho acorda antes de o sol raiar. Aprendeu com o pai e o avô, vaqueiros e seleiros desses que despertavam às 3h da madrugada, colocavam o café no fogo e serviam à família antes de iniciar o trabalho na fazenda. Após tanger o gado, cuidavam em fazer peças de couro, atividade que o artesão começou cedo a reproduzir.
O primogênito de Raimundo Pinto de Carvalho e Maria Pastora Veloso "nasceu com uma estrela" e dela nunca se desgarrou. Prova disso é o título de mestre com o qual é reverenciado dentro e fora do Brasil, em virtude da habilidade artesanal desenvolvida nestas quase oito décadas de vida.
"Como eu tenho sangue de seleiro, o meu pai fazia um chapéu grande para usar no dia a dia, e eu um menor, um chaveiro ou um enfeitinho qualquer. Ele construía um baú grande, e eu aproveitava os pedacinhos de couro para fazer uns pequenininhos, ali com ele, malinando em cima de uma mesa. O primeiro baú, aliás, eu fiz com 8 anos, dei pra minha mãe", lembra o artesão, conhecido como "Espedito Seleiro".
Natural de Arneiroz, no sertão dos Inhamuns, ainda criança mudou-se para Nova Russas, onde ficou até os 10 anos de idade. De lá, a família já crescida seguiu para Nova Olinda, no Cariri cearense. Até que no ano de 1958, em meio a uma seca que assolou o sertão, o filho mais velho, Espedito, foi tentar a vida nos cafezais paulistas.
Trabalhou por dois anos "nas terras do sul" e quando voltou para Nova Olinda, abriu uma bodega onde vendia "tudo em secos e molhados" e também a primeira sapataria, a fim de dar continuidade ao ofício ensinado pelo pai.
"Só que eu era novo demais e pensava que o mundo todinho era meu, aí comecei a brincar muito, farreei que nem um jegue e findei quebrado. Acabou o dinheiro, e a caderneta ficou cheia de conta pra receber. Se eu ia atrás de cobrar, o cara queria pagar era com briga. Aí não dava certo. Vim aqui pra dentro da rua, sem nada. Só com uma mulher buchuda", relata, referindo-se ao local que hoje é ocupado pela casa, loja, oficina e ainda pelo Museu do Ciclo do Couro, espaços construídos com o suor e a história da família.


Espedito Seleiro herdou do pai e do avô a habilidade com o couro | Foto: Thiago Gadelha


PRODUÇÃO

Espedito tinha 21 anos quando conheceu a esposa, Francisca de Brito Carvalho. Da união, nasceram nove filhos, mas somente seis sobreviveram. Para enfrentar as dificuldades, o casal recorreu novamente ao couro. "Eu fazia a peça, e ela costurava na máquina ou na mão. Aqui, tinha vaqueiro por todo canto, sabe? Aí eu fazia mais era sela e as roupas de couro, que era gibão, perneira, chapéu, luva, guarda-peito. O primeiro gibão que eu fiz, eu não tinha muita prática. Botei as mangas ao contrário", conta, ao mesmo tempo que ri da própria inexperiência.
Foi nesse período que ele recebeu uma encomenda desafiadora de um cigano da região. O homem, um dos Feitosa dos Inhamuns, queria uma sela diferenciada, que o destacasse frente aos demais.
Espedito aceitou a proposta, mesmo não estando certo do que poderia oferecer. Então, lembrou das cores. Fez o couro ficar marrom a partir da interação com a planta nativa angico; preto, após imersão na lama; branco, com a cinza da catingueira; e vermelho, com a base do urucum.
"O cigano ficou satisfeito, e o povo que viu ficou todo admirado. Aí eu peguei o nome de 'Seleiro bom'. Os cabras diziam: menino, eu vou mandar Espedito Seleiro fazer uma sela pra mim, porque ô bicho que trabalha bem. É bonita a sela que ele faz", recorda, orgulhoso do próprio feito.
Em 1971, o artesão teve de lidar com a perda do pai. Trouxe para perto de si a mãe e os irmãos, e ensinou a eles, aos próprios filhos e, mais tarde, a dois dos cinco netos, o saber ancestral para garantir a todos o ganha-pão.
Nos anos 1980, porém, o mercado começou a decair, especialmente quando as funções do vaqueiro e do tropeiro foram perdendo força, e os ciganos já não circulavam como antes. Nem mesmo as feiras - Araripe, no sábado, Potengi, no domingo, e Campos Sales, na segunda - estavam dando o retorno, o que exigiu de Espedito uma renovação.
TRANSFORMAÇÃO
"É o seguinte: eu não vou parar de trabalhar com couro, porque é o que eu aprendi na vida. E eu não vou parar por três coisas: uma porque eu preciso de dinheiro. A segunda é que eu não sei trabalhar com outro movimento e, por fim, porque eu quero manter a tradição da minha família. Vou tentar e a partir de hoje, eu vou criar um estilo meu, que aonde eu chegar, o cabra pode é não comprar, mas fica com vontade. Vou criar um modelo, que Deus vai me ajudar e vai dar certo", desabafou com a esposa Francisca.
Aproveitou uma madrugada dessas e amanheceu com os moldes feitos. As cores, que antes se restringiam às selas, passaram para as sandálias e gibões. Esboça-se ali o futuro da família de seleiros, cujo passado jamais seria esquecido, visto que a mesma matéria-prima seguiria alicerçando a tradição.
Nos anos 1990, Alemberg Quindins, idealizador da Fundação Casa Grande, com sede em Nova Olinda, abriria a porta da oficina para o universo. Encomendou a Espedito uma "sandália de Lampião". Outra pessoa a iluminar o caminho foi a socióloga e secretária de Cultura do Ceará, Violeta Arraes (1926-2008).
Depois de ganhar uma alpargata vermelha de "Maria Bonita", ela resolveu encomendar uma bolsa ao artesão. Esses dois pares de pés viajantes levaram a estética do couro por todo o Brasil e parte do mundo.
"Foi quando eu fiquei mais conhecido. Alemberg me ajudou muito mostrando essa sandália dele, e dona Violeta Arraes também, que levava pra dar de presente aos artistas", comenta.
Nos anos 2000, veio o primeiro chamado para a fama. O artesão teve peças incluídas no figurino do filme "O Auto da Compadecida", do diretor Guel Arraes. Em 2005, criou calçados e acessórios para o desfile da Cavalera (Verão 2006) na São Paulo Fashion Week (SPFW), marcando sua estreia na principal vitrine de moda brasileira. Na ocasião, Espedito assistiu ao desfile sentado em lugar de destaque na passarela, ao lado da esposa, dona Francisca, e do filho, Maninho.
O reconhecimento lá fora acompanhou o desenvolvimento aqui dentro. Em 2008, foi agraciado com o título de Mestre da Cultura Tradicional Popular do Ceará, concedido pelo Governo do Estado por seus relevantes serviços prestados à cultura e à arte; em 2011, recebeu a Ordem do Mérito Cultural, conferida pela Presidência da República Federativa do Brasil, pela sua contribuição à cultura brasileira. Das Universidades Estadual e Federal do Ceará, ganhou ainda o título de notório Saber em Cultura Popular, nos anos de 2016 e 2019, respectivamente.
Uma das peças da Coleção Cangaço (2015), desenvolvidas pelos irmãos Fernando e Humberto Campana em parceria com Espedito
PARCERIAS
Como era de se esperar, o sucesso atraiu novos parceiros. Com os irmãos designers de renome internacional, Fernando e Humberto Campana, Espedito desenvolveu peças para a coleção Cangaço, a exemplo de armários, cadeiras, sofás e mesas de centro. O trabalho ganhou destaque na feira Design Miami, realizada em dezembro de 2015, nos Estados Unidos.
No mesmo ano, recebeu convites para desenvolver modelos exclusivos para as marcas cariocas Farm e Cantão. Nas visitas que os designers de moda e estilistas passaram a fazer com frequência a sua oficina em Nova Olinda, porém, o mestre sempre fez uma exigência: para fechar negócio, era preciso manter a essência das cores e os corações em arabescos, que ele havia internalizado no contato com a cultura cigana.
"A pessoa que quiser parceria comigo, tem que fazer o que eu gosto e o que eu sei. Comigo é assim. Se for para fazer um desenho baseado em você, eu não sou Espedito Seleiro. Me perdoe, mas não vou fazer o que eu não sei, trabalhar com traço de ninguém. Eu aprendi e foi Deus quem me ensinou. Eu não tive escola pra isso e eu não preciso também, o que eu faço é assim", observa.
Com essa segurança sobre a própria personalidade, o artesão protagonizou documentários, teses de mestrado, livros e cordéis; suas peças ganharam destaque em filmes, novelas e passarelas. Mais recentemente, em fevereiro deste ano, o criador também atravessou o Atlântico para apresentar suas peças na Embaixada do Brasil, em Londres; e cruzou a Marquês de Sapucaí, em março, num carro alegórico da Escola de Samba "União da Ilha do Governador", cujo enredo de 2019 era "A Peleja Poética entre Rachel e Alencar no Avarandado do Céu". Uma ala de brincantes vestidos com seu artesanato em couro também marcou a homenagem no Rio de Janeiro.
"Nunca pensei de ficar conhecido. Isso acontece de supetão, de uma vez, né? Às vezes, eu não tô nem esperando, aí acontece. Foi assim com o Troféu Sereia de Ouro", revela, sobre a comenda que receberá do Sistema Verdes Mares. "Eu acho legal pra todos nós que vamos ganhar essa homenagem. Isso dá mais valor às pessoas e tenho que agradecer a Deus e aos amigos que reconheceram, que me deram esse merecimento", afirma, certo da importância de figurar a partir de agora nesse grupo seleto de cearenses ilustres.



EXPEDITO SELEIRO

Nesta 49ª edição, além do artista Espedito Seleiro, serão agraciados com o Troféu Sereia de Ouro o cientista Fernando de Mendonça, a desembargadora Iracema do Vale e o médico Sulivan Mota.


Fonte: Diário do Nordeste: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/editorias/verso/artista-espedito-seleiro-e-homenageado-com-o-trofeu-sereia-de-ouro-1.2153476

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