Poetas cearenses participam de
encontro em Portugal promovendo novos olhares sobre literatura
Por Diego Barbosa,
Bruno Paulino, Renato Pessoa, Mailson
Furtado e Dércio Braúna: autores em trânsito
Fotos: Tarcísio Filho/WG Fotos/Helene
Santos/Thiago Gadelha
A literatura é feita a
partir do diálogo com o mundo e a vida. Tal premissa, alimentada pelo escritor,
psicólogo, mestre e doutorando Francisco Welligton Barbosa Júnior, foi mola
propulsora para que pudesse idealizar uma ação que conectasse escritos.
Diminuísse as fronteiras, oportunizasse o contato.
“A ideia de realizar o
evento surgiu ao fim do último ano, a partir da união entre dois fatos: quando
paramos e refletimos sobre o fenômeno atual em que literaturas vêm sendo
produzidas e se destacando por parte de jovens autores, que fazem, de seus
escritos, exercícios de resistência; e, junto a isso, a necessidade de pensar e
discutir a arte para além de conservadorismos e olhares unidirecionais sobre a
temática”, explica.
Assim nascia o I
Encontro Interdisciplinar de Estudos sobre Literatura: Novos Olhares entre o
Ceará e o Alentejo. Realizada nos dias 9 e 10 de outubro em Évora, Portugal, a
empreitada buscará, ao longo dos dois dias, investir em mesas e conferências
que contemplem temáticas sobre literatura, patrimônio cultural, arte, e
relações com psicologia, filosofia, política, entre outros assuntos. Também
haverá lançamentos de obras por parte dos autores convidados.
Falando neles, quatro
poetas cearenses aportarão do outro lado do Atlântico para suscitar renovadas
perspectivas sobre as produções locais. Bruno Paulino, Dércio Braúna, Mailson
Furtado (por meio de conferência online) e Renato Pessoa nos representarão em
abrangência de atividades, ao mesmo tempo que alavancarão nossas letras a um
novo patamar.
ALCANCE
Conforme Welligton, a
justificativa para convidar os autores está diretamente ligada ao fato de serem
artistas que, quer seja no sertão, quer seja nas periferias da cidade grande,
vêm contribuindo para o fazer literário da nova geração cearense, com olhares
questionadores e relevantes no cenário em que escolheram atuar. “Cada um a seu
modo tratam de um tema que nos é valioso: nossas identidades nos tempos de
hoje”.
A opinião é
compartilhada com Cristina Santos, professora do Departamento de Linguística e
Literatura da Universidade de Évora. Ela, que desenvolve trabalho de
investigação em literatura contemporânea – em especial poesia portuguesa e
brasileira – situa a necessidade de
volvermos análises e mergulhos entre as duas nações.
“As fronteiras
geográficas são cada vez mais fáceis de superar e, no mundo atual, perante uma
tão grande crise de valores e a evasão de populismos de várias ordens, a
literatura e, neste caso específico, a poesia de poetas oriundos de lugares
mais distantes dos grandes centros políticos e econômicos, terá muito a ganhar
em ser divulgada e nos mostrar outros aspectos sobre o mundo hoje”.
Junto a ela e
Welligton, o professor Fernando Gomes; a escritora e doutoranda Liz Teles; o
escritor e mestrando Alexandre Rodrigues Sobrinho; e o escritor, mestre e
pesquisador Marlo Lopes, igualmente compõem a organização do evento. O time
busca atuar no campo da literatura pensando em outras possibilidades que não as
tradicionais.
RESSONÂNCIAS
Quixeramobinense,
Bruno Paulino acredita que a própria ideia de sertão nordestino vem do
“desertão” português, como pensou o escritor Gustavo Barroso. “Assim, a região
do Alentejo e o sertão cearense se irmanam nesse sentido, num canto comum, de
natureza e humanidade. Acho que as potências poéticas da contemporaneidade
entre os dois locais continuam vivas. Afinal, feito cantou Chico Buarque,
herdamos do sangue lusitano uma dose de lirismo”, observa.
“A literatura
cearense, e isso já tem um tempo, tenta fugir do estereótipo monotemático pelo
qual ficou identificada, de falar apenas sobre a seca e suas consequências.
Acredito que é isso que os portugueses estão querendo investigar. Hoje, os
escritores do Ceará tem outras pautas, outras inquietações que passam,
sobretudo, pelo conturbado momento político que o País vive”, complementa o
poeta, autor de livros como “Lá nas Marinheiras” (2013), “A Menina da Chuva”
(2016) e “Pequenos Assombros” (2018).
Por sua vez, Dércio
Braúna, de Limoeiro do Norte – que, entre outras atividades, lançará
individualmente o último livro de sua autoria, “Esta Solidão Aberta que Trago
no Punho”, durante o evento – tece comentários sobre suas percepções a respeito
do lugar para onde vai.
Segundo ele, “o
Alentejo português que conheço vem da literatura, especialmente a partir do
‘Levantado de Chão’, de José Saramago. Foi a partir dele que passei a buscar
compreender melhor esse espaço, que em Saramago aparece historicamente marcado
pela ‘santíssima trindade’: Estado, Igreja e Latifúndio”.
Nessa perspectiva,
haveria marcas históricas na formação de ambos os espaços, que podem ser
pensadas considerando proximidades e diferenças. “Penso que as literaturas hoje
feitas em ambas as geografias, que delas partem mas a elas não se prendem,
podem ser boas formas de construir olhares outros sobre esses espaços e suas
‘heranças’ escriturais”.
DIMENSÕES
Completando a tríade
de artistas do interior cearense que estarão no evento, Mailson Furtado também
participará da mesa “Literatura em meus lugares: experiências, desafios e
outras possibilidades”, no dia 9, junto aos outros convidados daqui. O poeta,
vencedor do Prêmio Jabuti, confessa que, apesar de nunca ter pisado em
Portugal, descobriu que a cidade de Évora é parte fundamental de sua história
genealógica.
“Muitos dos meus
familiares vieram de lá para cá no século XIX e se estabeleceram aqui no sertão
cearense”, sublinha. “Então, ao participar do encontro, vem muito essa questão
do ser, detalhes particulares que me deixam muito feliz de poder conversar e
abordar um pouco sobre”.
Percebendo que o
contato entre as duas matrizes, brasileira e portuguesa, tem cada vez mais se
aproximado, Mailson torce para que esse estreitamento se intensifique com a
ação. “Há trabalhos artísticos que nos unem bastante e quando o intercâmbio
começa não há prazo de validade. Sempre há coisas a acrescentar para torná-lo
perene”.
Renato Pessoa é o
representante de Fortaleza. Autor com forte atuação nas periferias da cidade, é
também crítico literário, ativista cultural e professor de Filosofia empenhado
em estender o raio de alcance daquilo que acredita potencializar novas
perspectivas sobre a arte.
“A literatura subverte
geografias e limites linguísticos. E, no final de tudo, o tema central dessa
linguagem é o ser humano, estando ele no interior do Ceará ou no centro de
Évora. Em qualquer parte do mundo onde habita o homem, há dramas e fissuras, angústias
e conflitos, perguntas essenciais. Há crise social e necessidade de dizer-se.
Levaremos os dizeres daqui, experimentaremos os dizeres de lá”.
Não à toa, se há
palavra, sob sua opinião, que pode descrever a experiência às portas de se
realizar, é comunhão.
“Levaremos o Ceará em
nossas letras, vivências, indignações e esperanças – sobretudo nas
circunstâncias políticas atuais, onde impera, no Brasil, um momento de ódio e
repulsa contra a cultura, educação, professores e escritores. Com o atual
governo, estamos, como viventes e artistas, cada vez mais ameaçados pela
censura e mediocridade. Estar ao lado de escritores indignados, revoltados, em
um evento internacional, é de fato mais potente”.
Serviço
I Encontro
Interdisciplinar de Estudos sobre Literatura: Novos olhares entre o Ceará e o
Alentejo
Dias 9 e 10 de
outubro, na Universidade de Évora, em Portugal. Mais informações e inscrições
pelo e-mail encontroliteratura.uevora@gmail.com.
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