segunda-feira, 30 de setembro de 2019

CEARENSES EM PORTUGAL


Poetas cearenses participam de encontro em Portugal promovendo novos olhares sobre literatura

Por Diego Barbosa,



Bruno Paulino, Renato Pessoa, Mailson Furtado e Dércio Braúna: autores em trânsito
Fotos: Tarcísio Filho/WG Fotos/Helene Santos/Thiago Gadelha

A literatura é feita a partir do diálogo com o mundo e a vida. Tal premissa, alimentada pelo escritor, psicólogo, mestre e doutorando Francisco Welligton Barbosa Júnior, foi mola propulsora para que pudesse idealizar uma ação que conectasse escritos. Diminuísse as fronteiras, oportunizasse o contato.

“A ideia de realizar o evento surgiu ao fim do último ano, a partir da união entre dois fatos: quando paramos e refletimos sobre o fenômeno atual em que literaturas vêm sendo produzidas e se destacando por parte de jovens autores, que fazem, de seus escritos, exercícios de resistência; e, junto a isso, a necessidade de pensar e discutir a arte para além de conservadorismos e olhares unidirecionais sobre a temática”, explica.
Assim nascia o I Encontro Interdisciplinar de Estudos sobre Literatura: Novos Olhares entre o Ceará e o Alentejo. Realizada nos dias 9 e 10 de outubro em Évora, Portugal, a empreitada buscará, ao longo dos dois dias, investir em mesas e conferências que contemplem temáticas sobre literatura, patrimônio cultural, arte, e relações com psicologia, filosofia, política, entre outros assuntos. Também haverá lançamentos de obras por parte dos autores convidados.

Falando neles, quatro poetas cearenses aportarão do outro lado do Atlântico para suscitar renovadas perspectivas sobre as produções locais. Bruno Paulino, Dércio Braúna, Mailson Furtado (por meio de conferência online) e Renato Pessoa nos representarão em abrangência de atividades, ao mesmo tempo que alavancarão nossas letras a um novo patamar.

ALCANCE
Conforme Welligton, a justificativa para convidar os autores está diretamente ligada ao fato de serem artistas que, quer seja no sertão, quer seja nas periferias da cidade grande, vêm contribuindo para o fazer literário da nova geração cearense, com olhares questionadores e relevantes no cenário em que escolheram atuar. “Cada um a seu modo tratam de um tema que nos é valioso: nossas identidades nos tempos de hoje”.

A opinião é compartilhada com Cristina Santos, professora do Departamento de Linguística e Literatura da Universidade de Évora. Ela, que desenvolve trabalho de investigação em literatura contemporânea – em especial poesia portuguesa e brasileira –  situa a necessidade de volvermos análises e mergulhos entre as duas nações.

“As fronteiras geográficas são cada vez mais fáceis de superar e, no mundo atual, perante uma tão grande crise de valores e a evasão de populismos de várias ordens, a literatura e, neste caso específico, a poesia de poetas oriundos de lugares mais distantes dos grandes centros políticos e econômicos, terá muito a ganhar em ser divulgada e nos mostrar outros aspectos sobre o mundo hoje”.
Junto a ela e Welligton, o professor Fernando Gomes; a escritora e doutoranda Liz Teles; o escritor e mestrando Alexandre Rodrigues Sobrinho; e o escritor, mestre e pesquisador Marlo Lopes, igualmente compõem a organização do evento. O time busca atuar no campo da literatura pensando em outras possibilidades que não as tradicionais.

RESSONÂNCIAS
Quixeramobinense, Bruno Paulino acredita que a própria ideia de sertão nordestino vem do “desertão” português, como pensou o escritor Gustavo Barroso. “Assim, a região do Alentejo e o sertão cearense se irmanam nesse sentido, num canto comum, de natureza e humanidade. Acho que as potências poéticas da contemporaneidade entre os dois locais continuam vivas. Afinal, feito cantou Chico Buarque, herdamos do sangue lusitano uma dose de lirismo”, observa.

“A literatura cearense, e isso já tem um tempo, tenta fugir do estereótipo monotemático pelo qual ficou identificada, de falar apenas sobre a seca e suas consequências. Acredito que é isso que os portugueses estão querendo investigar. Hoje, os escritores do Ceará tem outras pautas, outras inquietações que passam, sobretudo, pelo conturbado momento político que o País vive”, complementa o poeta, autor de livros como “Lá nas Marinheiras” (2013), “A Menina da Chuva” (2016) e “Pequenos Assombros” (2018).

Por sua vez, Dércio Braúna, de Limoeiro do Norte – que, entre outras atividades, lançará individualmente o último livro de sua autoria, “Esta Solidão Aberta que Trago no Punho”, durante o evento – tece comentários sobre suas percepções a respeito do lugar para onde vai.

Segundo ele, “o Alentejo português que conheço vem da literatura, especialmente a partir do ‘Levantado de Chão’, de José Saramago. Foi a partir dele que passei a buscar compreender melhor esse espaço, que em Saramago aparece historicamente marcado pela ‘santíssima trindade’: Estado, Igreja e Latifúndio”.

Nessa perspectiva, haveria marcas históricas na formação de ambos os espaços, que podem ser pensadas considerando proximidades e diferenças. “Penso que as literaturas hoje feitas em ambas as geografias, que delas partem mas a elas não se prendem, podem ser boas formas de construir olhares outros sobre esses espaços e suas ‘heranças’ escriturais”.

DIMENSÕES
Completando a tríade de artistas do interior cearense que estarão no evento, Mailson Furtado também participará da mesa “Literatura em meus lugares: experiências, desafios e outras possibilidades”, no dia 9, junto aos outros convidados daqui. O poeta, vencedor do Prêmio Jabuti, confessa que, apesar de nunca ter pisado em Portugal, descobriu que a cidade de Évora é parte fundamental de sua história genealógica.

“Muitos dos meus familiares vieram de lá para cá no século XIX e se estabeleceram aqui no sertão cearense”, sublinha. “Então, ao participar do encontro, vem muito essa questão do ser, detalhes particulares que me deixam muito feliz de poder conversar e abordar um pouco sobre”.

Percebendo que o contato entre as duas matrizes, brasileira e portuguesa, tem cada vez mais se aproximado, Mailson torce para que esse estreitamento se intensifique com a ação. “Há trabalhos artísticos que nos unem bastante e quando o intercâmbio começa não há prazo de validade. Sempre há coisas a acrescentar para torná-lo perene”.

Renato Pessoa é o representante de Fortaleza. Autor com forte atuação nas periferias da cidade, é também crítico literário, ativista cultural e professor de Filosofia empenhado em estender o raio de alcance daquilo que acredita potencializar novas perspectivas sobre a arte.

“A literatura subverte geografias e limites linguísticos. E, no final de tudo, o tema central dessa linguagem é o ser humano, estando ele no interior do Ceará ou no centro de Évora. Em qualquer parte do mundo onde habita o homem, há dramas e fissuras, angústias e conflitos, perguntas essenciais. Há crise social e necessidade de dizer-se. Levaremos os dizeres daqui, experimentaremos os dizeres de lá”.

Não à toa, se há palavra, sob sua opinião, que pode descrever a experiência às portas de se realizar, é comunhão.

“Levaremos o Ceará em nossas letras, vivências, indignações e esperanças – sobretudo nas circunstâncias políticas atuais, onde impera, no Brasil, um momento de ódio e repulsa contra a cultura, educação, professores e escritores. Com o atual governo, estamos, como viventes e artistas, cada vez mais ameaçados pela censura e mediocridade. Estar ao lado de escritores indignados, revoltados, em um evento internacional, é de fato mais potente”.
Serviço
I Encontro Interdisciplinar de Estudos sobre Literatura: Novos olhares entre o Ceará e o Alentejo
Dias 9 e 10 de outubro, na Universidade de Évora, em Portugal. Mais informações e inscrições pelo e-mail encontroliteratura.uevora@gmail.com.

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