segunda-feira, 17 de junho de 2019

SAIU NO ESTADÃO



Como Euclides da Cunha criou 

o mito do sertão em sua obra-prima

Mesmo não havendo nascido no sertão de que trata em sua obra, Euclides foi quem mais contribuiu para estabelecer o modelo de semiárido habitado por bárbaros
     
Ronaldo Correia de Brito*, Especial para o Estado

Euclides da Cunha será o homenageado da Flip 2019. Nada mais justo. No ensaio Euclides da Cunha: Revelador da Realidade Brasileira, Gilberto Freyre já o referia como um dos escritores brasileiros de maior influência sobre o nosso povo, e que chamava atenção dos estrangeiros para a cultura em geral e para as letras em particular, de um ainda obscuro Brasil.


Página de rosto de OS SERTÕES

Mesmo não havendo nascido no sertão de que trata em sua obra, Euclides foi quem mais contribuiu para codificar o que lhe pareceu sertão, guiando leitores e gerações futuras a buscarem o modelo estabelecido de semiárido habitado por bárbaros, num processo semelhante ao dos orientalistas em relação ao Oriente. Da mesma maneira que o Oriente é corrigido e penalizado por estar fora dos limites da Europa e América do Norte, o sertão do Nordeste brasileiro sofre processo semelhante por se encontrar fora dos limites da sociedade do Sul e Sudeste. É igualmente “sertanizado” por acadêmicos e cientistas, tornando-se propriedade de um conhecimento nem sempre verdadeiro. 
A partir do genocídio praticado contra os conselheiristas de Canudos – recuso a denominação de jagunços –, retratado com parcialidade pelo geógrafo, engenheiro, militar e jornalista, se evidenciam as incompatibilidades entre os vários sertões. As sociedades heterogêneas possuem valores culturais, econômicos e religiosos desiguais. Os sertanejos são tratados como menores, raças submetidas a um “poder civilizatório” que se apresenta benigno e altruísta, mas que traz apenas mais miséria, destruição e morte. Acontece a guerra, uma coisa horrível de se testemunhar, um choque implacável, irremediável, como tem sido o embate de todos os dias, no Brasil.
Nos primeiros tempos de nossa história, tudo o que não fosse litoral era sertão, independente de condições climáticas, relevo, cobertura vegetal, presença ou não de rios, tipo de solo. Assim, o Estado de São Paulo para além da Capitania de São Vicente era todo sertão, como também o eram Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e até Paraná e Rio Grande do Sul.
O próprio Euclides descreve diferente o sertão dos primórdios da nossa colonização: “Constituiu-se, dessa maneira favorecida, a extensa zona de criação de gado que já no alvorecer do século 18 ao das raias setentrionais de Minas e Goiás, ao Piauí, aos extremos do Maranhão e Ceará pelo ocidente e norte, e às serranias das lavras baianas, a leste. Povoara-se e crescera autônoma e forte, mas obscura, desadorada dos cronistas do tempo, de todo esquecida não já pela metrópole longínqua senão pelos próprios governadores e vice-reis. Não produzia impostos ou rendas que interessassem ao egoísmo da coroa. Refletia, entretanto, contraposta à turbulência do litoral e às aventuras das minas, ‘o quase único aspecto tranquilo da nossa cultura’. À parte os contingentes de povoadores pernambucanos e baianos, a maioria dos criadores opulentos que ali se formaram, vinha do sul, constituída pela mesma gente entusiasta e enérgica das bandeiras.”
As migrações e entrelaçamentos dos sertanejos se fazia intensa, de sul a norte e de norte a sul, a ponto de um decreto real do século 18 proibir que os do norte buscassem as terras do sul, onde havia mais promessas de riqueza. “Paulista” não se referia apenas aos naturais de São Paulo, sendo uma denominação genérica para sertanejos de Goiás, Mato Grosso, Minas e outras regiões. Interessa investigar quando e de que maneira o devaneio sobre o que é sertão o transforma em paisagem semiárida, hostil, com o sol inclemente, confundido com o que se estabeleceu ser o Nordeste. Gilberto Freyre recusa essa imagem de deserto. Para ele, o lugar também é uma terra de fartura, de águas abundantes, onde, como no poema de Carlos Pena Filho, “nunca deixa de haver uma mancha d’água, um avanço de mar, um rio, um riacho, o esverdeado de uma lagoa...”
Não sei ainda quais convidados irão debater Os Sertões, mas espero que haja alguns escritores nordestinos, conselheiristas e intelectuais que enxergam os erros de Euclides, a antropologia e a sociologia impregnadas de cientificismo, consonante com a época em que o livro foi escrito. Teorias de inspiração europeia e americana, racistas, supremacistas, cientificistas, que defendem a eugenia e são contrárias ao hibridismo, atribuindo ao cruzamento das raças formadoras do Brasil todos os nossos males.
Riobaldo, personagem narrador do Grande Sertão: Veredas, pergunta ao escutador: “Como vou contar e o senhor sentir em meu estado? O senhor sobrenasceu lá? O senhor mordeu aquilo?” A pergunta não precisaria ser feita ao carioca Euclides da Cunha, nem a qualquer intelectual que se aventurasse a escrever sobre o episódio de Canudos, desde que mantivesse isenção e imparcialidade. Por mais que tenha estudado a geografia, a história, a cartografia, a formação do lugar e do homem sertanejo, Euclides olha de fora, se dói de fora, denuncia de fora e, na hora do julgamento final, toma um partido: “Não tive o intuito de defender os sertanejos, porque este livro não é um livro de defesa; é, infelizmente, de ataque”. Diferente de Guimarães falando através de Riobaldo Tatarana: “O sertão me produziu, depois me engoliu, depois me cuspiu do quente da boca... O senhor crê minha narração?”
Euclides nunca se avistou com o Conselheiro, nunca entrevistou-o em conversa de homens pisando mundos diferentes. Do beato, viu o resultado do exame realizado pelo médico Nina Rodrigues, partidário da pseudociência da frenologia, que defendia que a estrutura do crânio determinava o caráter das pessoas e sua capacidade mental. Responsável por equívocos e crimes, o exame frenológico foi realizado na cabeça do beato, concluindo-se pela normalidade do mesmo, o que só expõe a barbárie e o abuso da ciência da época.
Na nota preliminar à primeira edição de Os Sertões, Euclides assume postura sobre o lugar e os personagens da sua epopeia:
"Intentamos esboçar, palidamente embora, ante o olhar de futuros historiadores, os traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil, e fazemo-lo porque a sua instabilidade de complexo de fatores múltiplos e diversamente combinados, aliada às vicissitudes históricas e deplorável situação mental em que jazem, as tornam talvez efêmeras, destinadas a próximo desaparecimento ante as exigências crescentes da civilização e a concorrência material intensiva das correntes migratórias que começam a invadir nossa terra.”
Apesar das denúncias feitas e registradas, da comoção diante do massacre, de afirmar que o sertanejo é antes de tudo um forte, Euclides se mantém firme, como observa Leopoldo M. Bernucci: “O narrador toma partido na defesa dos conselheiristas, mas a escolha final, a que determina verdadeiramente a decisão inexorável de combater o fanatismo religioso, a ‘selvatiqueza épica’, em uma palavra, os nossos ‘bárbaros patrícios’, recai nas mãos de um juiz implacável. E nem mesmo o esforço para construir uma frase imparcial e justa, que defina o seu duplo ataque, aos sertanejos e aos ‘singularíssimos civilizados’ nas Notas à 2ª Edição, consegue no final retraí-lo da sua cega fidelidade ideológica ao republicanismo progressivo.”

Os Sertões prevaleceu como obra monumental pela sua linguagem, mesmo que Euclides tenha escrito “num estilo não só barroco – esplendidamente barroco – como perigosamente próximo do precioso, do pedante, do bombástico, do oratório, do retórico, do gongórico, sem afundar-se em nenhum desses perigos. Deixando-se apenas tocar por eles; roçando por vezes pelos seus excessos; salvando-se como um bailarino perito em saltos-mortais, de extremos de má eloquência que o teriam levado à desgraça literária e ao fracasso artístico”, como anotou Freyre.
Lamentarei se o tom da homenagem a Euclides da Cunha, na Flip, for somente apologista. Vou convencer-me de que a etiqueta com que rotularam os sertanejos continua valendo.
O tempo passou, mas o modelo de violência da nossa sociedade permanece o de sempre, desde a colônia. A República defendida por Euclides nunca se consolidou. Nem mesmo a democracia. Soldados e conselheiristas se irmanam. Os que restam vivos, ao retornarem às cidades grandes, irão morar em morros ou periferias que receberão o nome de favelas, em memória às favelas de Canudos. A história se refaz e se complementa. Agora os “civilizados” tomam o lugar da sub raça, e passam também a ser exterminados. O sertão se desloca com os homens, sem a liderança social ou espiritual do Conselheiro. Seu novo lugar na periferia das cidades grandes representa um risco maior do que o Arraial de Canudos. A guerra se mantém: sistemática, predatória, manipulada. Irmãos contra irmãos. E os poderosos jogam com os mesmos princípios do início da colonização e sempre ganham.


quarta-feira, 5 de junho de 2019

NAS TRILHAS DO CANGAÇO



LAMPIÃO: 121 ANOS DO NASCIMENTO DO BRUTAL REI DO CANGAÇO

(Fonte: Revista AVENTURAS NA HISTÓRIA)
Por LIRA NETO
Eles faziam do assassinato um ritual macabro. O longo punhal, de até 80 centímetros de comprimento, era enfiado com um golpe certeiro na base da clavícula – a popular “saboneteira” – da vítima. A lâmina pontiaguda cortava a carne, seccionava artérias, perfurava o pulmão, trespassava o coração e, ao ser retirada, produzia um esguicho espetaculoso de sangue. Era um policial ou um delator a menos na caatinga – e um morto a mais na contabilidade do cangaço.
Quando não matavam, faziam questão de ferir, de mutilar, de deixar cicatrizes visíveis, para que as marcas da violência servissem de exemplo. Desenhavam a faca feridas profundas em forma de cruz na testa de homens, desfiguravam o rosto de mulheres com ferro quente de marcar o gado.
Exatos 80 anos após a morte do principal líder do cangaço, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, a aura de heroísmo que durante algum tempo tentou-se atribuir aos cangaceiros cede terreno para uma interpretação menos idealizada do fenômeno. Uma série de livros, teses e dissertações acadêmicas lançados nos últimos anos defende que não faz sentido cultuar o mito de um Lampião idealista, um revolucionário primitivo, insurgente contra a opressão do latifúndio e a injustiça do sertão nordestino.
Virgulino não seria um justiceiro romântico, um Robin Hood da caatinga, mas um criminoso cruel e sanguinário, aliado de coronéis e grandes proprietários de terra. Historiadores, antropólogos e cientistas sociais contemporâneos chegam à conclusão nada confortável para a memória do cangaço: no Brasil rural da primeira metade do século 20, a ação de bandos como o de Lampião desempenhou um papel equivalente ao dos traficantes de drogas que hoje sequestram, matam e corrompem nas grandes metrópoles do país. Guardadas as devidas proporções, o cangaço foi algo como o PCC dos anos 1930.


Corisco e Dadá (Reprodução)


Cangaceiros e traficantes
Foram os cangaceiros que introduziram o sequestro em larga escala no Brasil. Faziam reféns em troca de dinheiro para financiar novos crimes. Caso não recebessem o resgate, torturavam e matavam as vítimas, a tiro ou punhaladas. A extorsão era outra fonte de renda. Mandavam cartas, nas quais exigiam quantias astronômicas para não invadir cidades, atear fogo em casas e derramar sangue inocente.
Ofereciam salvo-condutos, com os quais garantiam proteção a quem lhes desse abrigo e cobertura, os chamados coiteiros. Sempre foram implacáveis com quem atravessava seu caminho: estupravam, castravam, aterrorizavam. Corrompiam oficiais militares e autoridades civis, de quem recebiam armas e munição. Um arsenal bélico sempre mais moderno e com maior poder de fogo que aquele utilizado pelas tropas que os combatiam.
 “A violência é mais perversa e explícita onde está o maior contingente de população pobre e excluída. Antes o banditismo se dava no campo; hoje o crime organizado é mais evidente na periferia dos centros urbanos”, afirma a antropóloga Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autora do livro A Derradeira Gesta: Lampião e Nazarenos Guerreando no Sertão.
A professora aponta semelhanças entre os métodos dos cangaceiros e dos traficantes: “A maioria dos moradores das favelas de hoje não é composta por marginais. No sertão, os cangaceiros também eram minoria. Mas, nos dois casos, a população honesta e trabalhadora se vê submetida ao regime de terror imposto pelos bandidos, que ditam as regras e vivem à custa do medo coletivo”.
Além do medo, os cangaceiros exerciam fascínio entre os sertanejos. Entrar para o cangaço representava, para um jovem da caatinga, ascensão social. Significava o ingresso em uma comunidade de homens que se gabavam de sua audácia e coragem, indivíduos que trocavam a modorra da vida camponesa por um cotidiano repleto de aventuras e perigos.
Era uma via de acesso ao dinheiro rápido e sujo de sangue, conquistado a ferro e a fogo. “São evidentes as correlações de procedimentos entre cangaceiros de ontem e traficantes de hoje. A rigor, são velhos professores e modernos discípulos”, afirma o pesquisador do tema Melquíades Pinto Paiva, autor de Ecologia do Cangaço e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.



Homem e lenda
Virgulino Ferreira da Silva reinou na caatinga entre 1920 e 1938. A origem do cangaço, porém, perde-se no tempo. Muito antes dele, desde o século 18, já existiam bandos armados agindo no sertão, particularmente na área onde vingou o ciclo do gado no Nordeste, território onde campeava a violência, a lei dos coronéis, a miséria e a seca. A palavra cangaço, segundo a maioria dos autores, derivou de “canga”, peça de madeira colocada sobre o pescoço dos bois de carga. Assim como o gado, os bandoleiros carregavam os pertences nos ombros.
Um dos precursores do cangaço foi o lendário José Gomes, o endiabrado Cabeleira, que aterrorizou as terras pernambucanas por volta de 1775. Outro que marcou época foi o potiguar Jesuíno Alves de Melo Calado, o Jesuíno Brilhante (1844-1879), famoso por distribuir entre os pobres os alimentos que saqueava dos comboios do governo. Mas o primeiro a merecer o título de Rei do Cangaço, pela ousadia de suas ações, foi o pernambucano Antônio Silvino (1875-1944), o Rifle de Ouro. Entre suas façanhas, arrancou os trilhos, perseguiu engenheiros e sequestrou funcionários da Great Western, empresa inglesa que construía ferrovias no interior da Paraíba.
Lampião sempre afirmou que entrou na vida de bandido para vingar o assassinato do pai. José Ferreira, condutor de animais de carga e pequeno fazendeiro em Serra Talhada (PE), foi morto em 1920 pelo sargento de polícia José Lucena, após uma série de hostilidades entre a família Ferreira e o vizinho José Saturnino.
No sertão daquele tempo, a vingança e a honra ofendida caminhavam lado a lado. Fazer justiça com as próprias mãos era considerado legítimo e a ausência de vingança era entendida como sintoma de frouxidão moral. “Na minha terra,/ o cangaceiro é leal e valente:/ jura que vai matar e mata”, diz o poema “Terra Bárbara”, do cearense Jáder de Carvalho (1901-1985).

(...)

VER MATÉRIA COMPLETA NO SITE DE “AVENTURAS NA HISTÓRIA”

segunda-feira, 3 de junho de 2019

EVENTO LITERÁRIO



Feira do Livro de Limoeiro do Norte 
chega à 6ª edição

 Por Oswaldo Scaliotti em Eventos (Tribuna do Ceará)

Como parte da programação do evento, que acontece de 6 a 8 de junho na Praça da Matriz, é realizada no Auditório do NIT a VI Jornada das Letras

Está chegando a hora do maior evento literário da região do Vale do Jaguaribe, no Ceará. De 6 a 8 de junho acontece a VI Feira do Livro de Limoeiro do Norte, evento que se consolida a cada ano por enaltecer a vocação da cidade para as letras, estimulando a leitura e a produção literária. São três dias festivos congregando romancistas, contistas, cordelistas, autores e leitores, professores e estudantes, pessoas de todas as idades que compartilham do prazer da leitura e do reconhecimento da importância do livro na formação de todo cidadão.
A Praça José Osterne (Praça da Matriz), no Centro da cidade, é palco de boa parte da programação com recitais, apresentações musicais e teatrais, oficinas, lançamentos de livros e da feira propriamente dita, com estandes de editoras e autores.
No Auditório do NIT acontece no dia 7 a VI Jornada das Letras, que integra a programação da Feira do Livro com Roda de Conversa reunindo professores e escritores.
A VI Feira do Livro de Limoeiro do Norte é uma realização do Instituto Brasil de Dentro, com apoio da Prefeitura de Limoeiro do Norte e do Governo do Estado do Ceará, através da Secretaria da Cultura. Apoio: FAFIDAM/UECE, Unimed e Auri Transp. Agradecimento: Enel.
SERVIÇO
VI Feira do Livro de Limoeiro do Norte – De 6 a 8 de junho de 2019 em Limoeiro do Norte – Ceará. Programação nos três dias na Praça José Osterne (Praça da Matriz, Centro) e no dia 7 também no Auditório do NIT (Rua Cônego Bessa, 2381, Centro) local da VI Jornada das Letras. Informações: (88) 99661-0512. Facebook: feiradolivrodelimoeirodonorte



O escritor Arievaldo Viana é uma das atrações da 
VI FEIRA DO LIVRO DE LIMOEIRO DO NORTE

CARIRI CANGAÇO

Adiado o CARIRI CANGAÇO de Paulo Afonso-BA NOTA OFICIAL Diante do atual quadro de Pandemia do Covid-19 que assola nossa Naçã...

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