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REPORTAGENS ESPECIAIS • NOTÍCIA
Reconciliação da Igreja com Padre Cícero está a caminho
Vaticano volta a olhar para a vida de Cícero, para viabilizar
sua reabilitação. Processo pode permitir que ele ganhe a condição de servo, a
primeira das etapas até uma chance de canonização oficial. Ele morreu impedido
de atuar como padre
Por Cláudio Ribeiro
Cícero Romão Batista morreu 85 anos atrás, suspenso de
exercer suas atividades de sacerdote. Impedido de celebrar, batizar, casar,
suspenso de pregações, confissões, de qualquer cerimônia religiosa. Até de
orientar os fiéis. A punição havia sido aplicada pela Igreja Católica
Apostólica Romana, em 1892, acusado de desobediências a regras eclesiais e por
omitir informações a seus superiores.
Ele era o capelão de Juazeiro do Norte - o sexto nome, na
lista cronológica. O primeiro havia sido em 1827. Chegou ao lugar em abril de
1872, dois anos depois de ter sido ordenado padre em Fortaleza. Juazeiro ainda
era um arraial, um povoado das terras de Crato.
O fato usado como culpa em seu julgamento completou 130 anos.
Foi o episódio da hóstia que virou sangue na boca da beata Maria de Araújo, em
1º de março de 1889. Ela comungava durante a missa celebrada por ele. Os
presentes na capela de Nossa Senhora das Dores assistiram à cena. Evento
inexplicado, logo associado a milagre. Mas também considerado por vários como
fanatismo.
O professor e pesquisador Renato Casimiro conta que o então
bispo da diocese do Ceará, que funcionava na Capital, dom Joaquim José Vieira,
"soube atravessadamente pelos jornais, por comentários de outros padres,
por telegramas. Ficou furioso com o Padre Cícero por ele não ter feito a devida
comunicação ao seu tempo".
A irritação se desdobrou em castigo e durou até 1934.
Efetivamente, nunca foi desfeita, segue em sua biografia. É o que o processo de
reabilitação tenta desfazer. Cícero nunca se viu como culpado na história.
Embora estivesse interditado pela Cúria Romana, sempre se manteve
sob o tratamento de Padre, nunca se desfez do uso da batina. Em Juazeiro e por
onde andasse. Chegou a viver dez meses em Roma, no ano de 1898, tentando
pessoalmente voltar com sua absolvição.
"O santo do
sol", "santo dos romeiros"
Agora, a própria Igreja conduz o processo para reabilitá-lo.
O sigilo é uma das regras. Em 2002, a Diocese do Crato criou uma Comissão de
Reabilitação Histórica e Eclesial do Padre Cícero.
O grupo foi a Roma em maio de 2006, chefiado pelo então bispo
local, dom Fernando Panico. Levaram os documentos iniciais que hoje tentam
recuperar a imagem do "santo dos romeiros". Também o chamam de “O
santo do sol”, pelo céu aberto que encobre a lida dos devotados nordestinos.
Ainda em vida, era reverenciado na terra das romarias por
gente de todos os cantos do Nordeste. Hoje, os visitantes não são mais apenas
da mesma região - chegam de todo o Brasil e de fora do País.
Em 2015, foi remetido para o Ceará "o documento mais
atual do caso", segundo o atual bispo de Crato, dom Gilberto Pastana. É a
carta assinada pelo secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin.
A correspondência tem peso relevante, porque “foi redigida
por expressa vontade de Sua Santidade, o Papa Francisco, na esperança de que
Vossa Excelência Reverendíssima não deixará de apresentar à sua Diocese e aos
romeiros do Padre Cícero”, diz um trecho do documento.
"(A carta) nos recomenda que procuremos trabalhar cada
vez mais essas virtudes humanas e espirituais do Padre Cícero", explica
dom Gilberto. Ele pondera que "o caso do Padre Cícero ainda continua na
Congregação para a Doutrina da Fé, não está (na Congregação para) Causa dos
Santos. Algumas situações ainda precisam ser esclarecidas".
Reabilitar, reaproximar
O Vaticano tem avançado no caso silenciosamente, juntando
materialidades e entendimentos que comprovem seu trabalho sacerdotal,
respeitoso à Igreja, sua atenção com os romeiros, a vida dedicada à religião. A
coleta de evidências, virtudes e comprovações do trabalho eclesial pode ser
aberta ou a mais anônima possível. Cícero está sendo revisitado em seu
sacerdócio. Também a partir da palavra respeitada e ouvida pelos romeiros.
Reabilitar Cícero seria a recuperação de suas ordens de
padre. Porém, não teria efeito no pós-mortem. Daí a ideia de que o caso ter a
perspectiva de reconciliação. "Quando fala de reabilitação, o processo
fica preso às questões doutrinárias. A questão da suspensão, o fenômeno da
hóstia...", explica o pesquisador José Carlos dos Santos, professor de
Filosofia da Universidade Regional do Cariri (Urca) e do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE). Ele fez parte da comissão formada em
2002.
Reabilitar seria também a possibilidade de readmitir Cícero
como membro da Igreja Católica Apostólica Romana. Reconciliar, reaproximar
ainda mais. Uma das expectativas que se cria, na visão do professor José
Carlos, é a chance de o Padim ser reconhecido como um servo de Deus.
Na gradação do rito canônico, tocada rigidamente pela
Congregação para a Causa dos Santos, depois de servo o indivíduo pode vir a se
tornar venerável, depois beato, até chegar ser canonizado - estes dois últimos
postos dependentes de milagres atribuídos. Para os romeiros, Cícero já é santo
faz tempo.
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