segunda-feira, 22 de julho de 2019

CONTO DE TERROR



A resposta da caveira

Viriato Padilha

Não temos certeza se a história ocorreu em Portugal ou no Brasil. Só sabemos que é velha e muito conhecida.
Taveira era um moço abastado, possuidor de rendosas casas comerciais, e muito acreditado na localidade onde residia.
Estava a se casar com uma formosa moça, herdeira dalguns mil cruzados, e todos o estimavam pelas excelentes qualidades.
Sendo amicíssimo de caça, num domingo se dirigiu a um bosque vizinho pra se entregar ao prazer predileto. Ali se lhe deparou uma caveira, ainda em perfeito estado, sobreposta a um velho tronco já carcomido por cupim.
Dominando um movimento de horror que lhe inspirou a vista de tão hedionda coisa, se acercou do crânio, o examinou bem, e, sem saber mesmo porque o fazia, perguntou à caveira:
— Caveira, quem te pôs neste estado?
Naturalmente o moço não esperava resposta, e por isso se encheu de assombro quando viu aqueles ossos humanos se torcerem com estalidos secos e responder de forma enigmática:
— Foi a língua!
Taveira quis fugir imediatamente, porém sobrepujando nele a curiosidade, se encheu de coragem e fez novas perguntas à caveira.
Desejava sondar a profundidade daquele mistério, que tanto o intrigava, porém nem mais uma resposta obteve.
A caveira voltou ao mutismo e dele não mais quis sair.


Logo que chegou à casa narrou à família e aos amigos o fato estranho que presenciara, e, embora fosse homem de todo o crédito, muitos duvidaram de sua palavra.
O rapaz se enfadou com isso e querendo demonstrar aos incrédulos que os não se iludira, convidou diversos pra se transportar consigo ao lugar.
Lá chegados, Taveira tornou a perguntar ao crânio:
— Caveira, quem foi que te pôs neste estado?
Ao contrário, porém, do que esperava a caveira, não lhe deu resposta e isso o desconcertou, fazendo todos os circunstantes se convencerem que o pobre rapaz tinha sido vítima de alucinação.
Continuando, todavia, a asseverar, sempre com a mesma obstinação, que a caveira respondera. Esse fato extravagante foi, pouco a pouco, aluindo sua reputação, e todos afinal se capacitaram de que o infeliz moço sofria algum desarranjo nas faculdades mentais.
A moça com quem estava pra casar começou a se arrecear dele. Intervindo o futuro sogro, também cheio de apreensão pelo porvir da filha, se desfez o projetado enlace, com grande sentimento do noivo, que adorava a prometida.


A ruptura do casamento foi o exórdio de maiores desventuras pro rapaz que persistia em contar a singular história da caveira.
Seu crédito comercial começou a se abalar. Temendo a debilidade de sua razão, os outros negociantes principiaram a não querer realizar transação consigo. Seu negócio ia de mal a pior e após um ano teve que fechar os estabelecimentos. Seis meses depois, estava arruinado.
Taveira não pôde resistir a tão profundos golpes. Se encheu de tédio pela vida, que agora lhe era tão pesada, e uma noite se enforcou no quarto onde dormia.
Se um dia perguntassem ao alvadio crânio do jovem negociante:
— Caveira, quem te pôs neste estado?
Poderia igualmente responder:
— Foi a língua!



In ” O livro dos fantasmas - Viriato Padilha”
Assombrosa coleção de verdadeiras histórias sobre alma do outro mundo, lobisomem, mula-sem-cabeça, bruxa, casa mal-assombrada, saci, canto de coruja, choro de menino pagão, uivo agourento de cão, maldição materna, aviso ou sinal de pessoa falecida, carro de enterro parando à porta, pacto com o Demônio, visão, espírito diabólico, episódio em cemitério, aparição, voz de além-túmulo e toda a sorte de fatos sobrenaturais observados por insuspeitas testemunhas. 
Biblioteca da livraria Quaresma - Spiker | Rio de Janeiro | 1956

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