A resposta da caveira
Não temos certeza se a
história ocorreu em Portugal ou no Brasil. Só sabemos que é velha e muito
conhecida.
Taveira era um moço
abastado, possuidor de rendosas casas comerciais, e muito acreditado na
localidade onde residia.
Estava a se casar com
uma formosa moça, herdeira dalguns mil cruzados, e todos o estimavam pelas
excelentes qualidades.
Sendo amicíssimo de
caça, num domingo se dirigiu a um bosque vizinho pra se entregar ao prazer
predileto. Ali se lhe deparou uma caveira, ainda em perfeito estado, sobreposta
a um velho tronco já carcomido por cupim.
Dominando um movimento
de horror que lhe inspirou a vista de tão hedionda coisa, se acercou do crânio,
o examinou bem, e, sem saber mesmo porque o fazia, perguntou à caveira:
— Caveira, quem te pôs
neste estado?
Naturalmente o moço não
esperava resposta, e por isso se encheu de assombro quando viu aqueles ossos
humanos se torcerem com estalidos secos e responder de forma enigmática:
— Foi a língua!
Taveira quis fugir
imediatamente, porém sobrepujando nele a curiosidade, se encheu de coragem e
fez novas perguntas à caveira.
Desejava sondar a
profundidade daquele mistério, que tanto o intrigava, porém nem mais uma
resposta obteve.
A caveira voltou ao
mutismo e dele não mais quis sair.
●
Logo que chegou à casa
narrou à família e aos amigos o fato estranho que presenciara, e, embora fosse
homem de todo o crédito, muitos duvidaram de sua palavra.
O rapaz se enfadou com
isso e querendo demonstrar aos incrédulos que os não se iludira, convidou
diversos pra se transportar consigo ao lugar.
Lá chegados, Taveira
tornou a perguntar ao crânio:
— Caveira, quem foi que
te pôs neste estado?
Ao contrário, porém, do
que esperava a caveira, não lhe deu resposta e isso o desconcertou, fazendo
todos os circunstantes se convencerem que o pobre rapaz tinha sido vítima de
alucinação.
Continuando, todavia, a
asseverar, sempre com a mesma obstinação, que a caveira respondera. Esse fato
extravagante foi, pouco a pouco, aluindo sua reputação, e todos afinal se
capacitaram de que o infeliz moço sofria algum desarranjo nas faculdades
mentais.
A moça com quem estava
pra casar começou a se arrecear dele. Intervindo o futuro sogro, também cheio
de apreensão pelo porvir da filha, se desfez o projetado enlace, com grande
sentimento do noivo, que adorava a prometida.
●
A ruptura do casamento foi o exórdio
de maiores desventuras pro rapaz que persistia em contar a singular história da
caveira.
Seu crédito comercial começou a se
abalar. Temendo a debilidade de sua razão, os outros negociantes principiaram a
não querer realizar transação consigo. Seu negócio ia de mal a pior e após um
ano teve que fechar os estabelecimentos. Seis meses depois, estava arruinado.
Taveira não pôde resistir a tão
profundos golpes. Se encheu de tédio pela vida, que agora lhe era tão pesada, e
uma noite se enforcou no quarto onde dormia.
Se um dia perguntassem ao alvadio
crânio do jovem negociante:
— Caveira, quem te pôs neste estado?
Poderia igualmente responder:
— Foi a língua!
In ” O livro dos fantasmas - Viriato
Padilha”
Assombrosa coleção de verdadeiras histórias sobre alma do outro mundo,
lobisomem, mula-sem-cabeça, bruxa, casa mal-assombrada, saci, canto de coruja,
choro de menino pagão, uivo agourento de cão, maldição materna, aviso ou sinal
de pessoa falecida, carro de enterro parando à porta, pacto com o Demônio,
visão, espírito diabólico, episódio em cemitério, aparição, voz de além-túmulo
e toda a sorte de fatos sobrenaturais observados por insuspeitas testemunhas.
Biblioteca da livraria Quaresma - Spiker | Rio de Janeiro | 1956
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