AS MELHORES CRÔNICAS
DE RACHEL DE QUEIROZ
“As Melhores Crônicas de Rachel de Queiroz” foi
organizado por Heloisa Buarque de Hollanda e reúne crônicas publicadas por
Rachel de Queiroz em seis livros, abrangendo um período que vai de 1948 (“A
donzela e a moura morta”) à 2002 (“Falso mar, falso mundo”). Tendo iniciado sua
carreira no jornalismo ainda muito jovem, apenas aos 17 anos, Rachel de Queiroz
se considerava antes de tudo uma jornalista. Dizia, inclusive, não gostar de
escrever, fazendo-o apenas para se sustentar.
Assim, é através de sua atividade regular na
imprensa que Rachel irá produzir grande parte de sua obra. E, dentro da
profissão de jornalista, é na crônica, gênero literário que pode ser
considerado intermediário entre o jornalismo e a literatura, que ela irá
trabalhar de melhor forma sua escrita. Suas crônicas tratam dos mais variados
temas e registram lembranças, fatos históricos, opiniões, críticas, indignações
e o que mais vier à mente da escritora.
Para melhor entender a crônica de Rachel de
Queiroz, deve-se ter em mente o que tradicionalmente é uma crônica. Esse é um
gênero literário que trata, no geral, de problemas cotidianos, assuntos comuns
ao dia-a-dia das pessoas, sendo na maioria das vezes um texto curto. Cada
crônica é organizada em torno de um único eixo temático e suas personagens
(quando houverem) são normalmente rasas, ou seja, não possuem aprofundamento
psicológico e muitas vezes nem possuem nomes. Devido a essas características,
por muito tempo discutiu-se se a crônica era de fato um gênero literário ou
não.
Porém, a crônica de Rachel de Queiroz apresenta
diversas inovações e possuem um caráter experimental, aproximando-a muitas
vezes de um conto (gênero literário de textos curtos que apresentam
personagens, enredo, narrador). Assim, através de seu experimentalismo
literário, Rachel de Queiroz coloca em debate o caráter literário ou não da
crônica, dando força a esse gênero que por muito tempo foi considerado
secundário dentro da literatura brasileira.
Dentre as crônicas escolhidas para este livro,
têm-se grande destaque os tipos regionais e as lembranças que Rachel tem do
sertão. Assim, muitas vezes estes textos apresentam um caráter autobiográfico,
a medida que são baseados em lembranças e fatos reais vividos pela escritora.
Percebe-se também uma linguagem simples como se fosse um diálogo com o leitor,
uma característica comum às crônicas. Consegue-se então através dessa
aproximação com o leitor uma maior credibilidade ao texto.
Porém, por mais que a linguagem empregada por
Rachel de Queiroz em seus textos seja considerada “simples” para padrões
literários convencionais, esta simplicidade é fruto de intenso trabalho técnico
e literário. Não só em suas crônicas, mas também em seus romances e outros
textos, a preocupação em escrever de uma “forma simples” é uma característica
central de seu estilo. Consequentemente, outra característica importante da
escrita de Rachel de Queiroz é a busca por uma linguagem oral e natural.
Além do sertão, outros temas bastante recorrentes
em suas crônicas são o cotidiano carioca – Rachel de Queiroz viveu alguns anos
na Ilha do Governador e era apaixonada pelo lugar, escrevendo diversas crônicas
que tomavam a Ilha como tema -, reflexões sobre o amor – existem algumas
crônicas em que ela narra aventuras amorosas da mocidade e paixões proibidas -,
e têm bastante destaque também temas como o tempo, a velhice e a morte.
Crônicas representativas
“O Senhor São João”
Neste texto, a autora usa como ponto central a
festa de São João para desconstruir certos preconceitos e estereótipos mantidos
pelos moradores das regiões Sul e Sudeste acerca do Norte e Nordeste. Tendo
como ponto de partida a ideia de que no Norte o povo passa o ano todo dançando
em uma série de festividades, Rachel de Queiroz trabalha a diferença entre os
diversos estados e cidades do Norte e Nordeste, dando voz à riqueza cultural
destas regiões. As lembranças da infância no Ceará têm grande importância e
força na construção dessa narrativa.
“Rosa e o fuzileiro” e “Vozes dÁfrica”
Estes contos fazem parte de uma vasta produção
sobre amores impossíveis bem ao estilo Romeu e Julieta. Em “Rosa e o
fuzileiro”, Rachel conta a história de uma jovem, Rosa, que se apaixona por um
fuzileiro naval e que é violentamente agredida por seu pai, que se opunha ao
amor da moça. Alguns meses depois, ela reconta a história de Rosa, mas dessa
vez sob o ponto de vista do pai, em “Vozes dÁfrica”.
“Pátria Amada”
Após uma temporada no exterior, Rachel de Queiroz
fala sobre a sensação de voltar ao Brasil. Por mais que, ao estar em solo
brasileiro, o que mais se quer é ir para o exterior e fugir de toda a bagunça
de nosso país, ao se encontrar distante e se deparar com a bandeira nacional, o
que se sente é saudade e vontade de voltar para casa. Rachel de Queiroz, em tom
nacionalista, também reflete sobre o que é a pátria. O tema do “retorno” (seja
ao Brasil, seja à casa, ou seja o retorno à infância) é um tema bastante
recorrente em suas crônicas.
“Sertaneja”
Nesta crônica, o saudosismo e o orgulho de sua
terra-natal, o Ceará, aparece com grande força para retratar a vida no sertão.
O corrido passar do tempo em uma cidade como o Rio de Janeiro é posto em
contraste com o tempo devagar e sossegado da vida no sertão. Este tema do
“tranquilo passar do tempo” é discutido em diversas outras crônicas da
escritora.
“Não aconselho envelhecer”
Rachel de Queiroz traça nessa crônica uma
perspectiva sobre a velhice bastante diferente da do senso comum.
Primeiramente, ela discorda do termo “terceira idade”, e elenca o que considera
diversos prejuízos causados pelo envelhecimento, que para ela é como uma
“espécie de HIV a longo prazo”.
Comentário do professor
Comentário do prof. Ronnie Roberto Campos, do
Colégio Adventista de Londrina:
Sem dúvida, Raquel de Queiroz foi uma das mais
expressivas figuras femininas de nossa literatura, a primeira mulher a
ingressar na Academia Brasileira de Letras e a receber o famoso Prêmio Camões,
o mais importante da língua portuguesa. Escritora fenomenal, Rachel percorreu
os mais diferentes gêneros, como a tradução, o romance e o teatro, mas foram as
crônicas que revelaram ao mundo a genialidade dessa brilhante autora cearense.
A coleção organizada por Heloisa Buarque de Holanda
é uma coletânea que reúne 71 dos melhores textos da escritora. A linguagem
clara, simples, direta e muito próxima da coloquial resulta numa leitura
bastante agradável. Estilisticamente suas crônicas costumam ser arroladas ao
regionalismo modernista, embora alguns de seus textos não se ajustem muito bem
a essa classificação.
Pensando na obra como indicação de leitura para o
vestibular, é interessante prestar atenção à intertextualidade que ocorre com
certa frequência, principalmente pela citação de fragmentos de obras e autores
bastante conhecidos, como Manuel Bandeira. Vale a pena observar também o foco
narrativo, que na maioria das vezes se apresenta em primeira pessoa. Às vezes o
narrador se apresenta como uma garota em sua infância, outras vezes na
juventude e muitas vezes já na idade madura revivendo suas memórias.
Sobre Rachel de Queiroz
Rachel de Queiroz nasceu em 17 de novembro de 1910
na cidade de Fortaleza, Ceará. Por parte de mãe, era descendente da família do
escritor José de Alencar (sua bisavó materna era primo de Alencar). Após uma
grande seca na região, ela muda-se com os pais em 1917 para o Rio de Janeiro e,
logo depois, para Belém do Pará. Em 1919, retornam para Fortaleza. Durante esse
tempo, seu pai foi seu principal educador, ensinando-a a ler, nadar e cavalgar.
De volta ao Ceará, forma-se professora aos quinze
anos de idade, em 1925. Orientada por sua mãe, dedica-se inteiramente à leitura
dos principais lançamentos nacionais e internacionais, e começa a produzir seus
primeiros textos. Em 1927, escreve uma carta ao jornal “O Ceará” e é convidada
pelo diretor do jornal à colaborar para a publicação. Neste mesmo ano lança em
forma de folhetim seu primeiro romance, História de um nome. Em 1930, publica
“O Quinze”, obra que trata da luta do povo nordestino contra a seca e a
miséria, e a deixaria famosa em todo o país.
Nesta mesma época envolve-se com o Partido
Comunista, mas rompe com ele após o partido censurar seu livro “João Miguel”,
onde um operário mata outro. Acaba publicando essa obra no Rio de janeiro e
muda-se para São Paulo, onde filia-se ao sindicato dos professores de ensino
livre. Entre 1934 e 1939, muda-se constantemente entre o Norte, o Rio de
Janeiro e Fortaleza, onde é presa em 1937 acusada de ser comunista.
Em 1939, divorcia-se e se muda para a cidade do Rio
de Janeiro, onde publica “As três Marias”, seu quarto romance. Conhece o médico
Oyama de Macedo, com quem vive até 1982, ano em que ele vem a falecer. Após a
notícia do assassinato do revolucionário marxista Trótski, afasta-se da
esquerda. Em 1967, Rachel apoia o golpe militar e passa a integrar o Conselho
Federal de Cultura, onde fica até o fim do regime militar em 1985.
Em 1977, é eleita para a Academia Brasileira de
Letras, organização da qual recebeu em 1957 o Prêmio Machado de Assis pelo
conjunto de sua obra, e torna-se a primeira mulher a ocupar uma cadeira na
Academia. Ao lado de seus diversos romances, contos, crônicas e peças teatrais,
Rachel de Queiroz torna-se também muito conhecida por suas histórias
infanto-juvenis, carreira que começou em 1969 com o livro “O Menino Mágico”.
Rachel de Queiroz vem a falecer no dia 4 de novembro de 2003 em sua casa no Rio
de Janeiro.
Suas principais obras são: “O Quinze” (1930), “As
três Marias” (1939), “100 Crônicas escolhidas” (1958), “Dôra, Doralina” (1975),
“As menininhas e outras crônicas” (1976) e “Memorial de Maria Moura” (1992).
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