quarta-feira, 16 de outubro de 2019

SAIU NO DIÁRIO

Feira do Cordel Brasileiro traz atrações com programação gratuita

A quarta edição do evento acontece na Caixa Cultural Fortaleza entre os dias 17 e 20




Cordelistas cearenses, homenageados e convidados especiais, participam da IV Feira do Cordel Brasileiro | FOTO: FABIANE DE PAULA

Respirar entre a tradição e a modernidade: essa é a proposta da IV Feira do Cordel Brasileiro, que acontece de quinta-feira (17) a domingo (20), na Caixa Cultural Fortaleza. Este ano, o evento é apadrinhado pelos mestres da cultura Chico Pedrosa e Bule-Bule, e homenageia Jackson do Pandeiro (centenário), João Melchíades Ferreira (sesquicentenário), Alberto Porfírio (in memoriam) e o comunicador Carneiro Portela.

Cada homenageado ganhará o nome de um palco/espaço, a ser ocupado com lançamentos literários, exposição de obras raras, vendas de folhetos, livros, camisetas e CDs, além de shows, recitais, palestras, oficinas de xilogravura e de cordel.

"É uma grande celebração da cultura popular, mais especialmente da literatura de cordel, esse gênero literário que consegue dialogar com todas as outras artes: cinema, teatro, televisão, histórias em quadrinhos, ilustração. E assim chega a todas as pessoas", resume o cordelista Klévisson Viana, idealizador da Feira. Essa diversidade de linguagens e expressões é perceptível em cada perfil convidado para a festa, incluindo mestres do cordel e da cantoria, xilogravuristas, atores e pesquisadores.


O cordelista cearense Klévisson Viana é o idealizador da Feira do Cordel Brasileiro
FOTO: ÉRIKA FONSECA

ATRAÇÕES
Um dos destaques da programação é o multiartista Antônio Nóbrega, que ministrará na sexta-feira (18), às 14h30, a aula-ilustrada "Da quadrinha ao galope à beira-mar". Nela, o pernambucano relata o modo como foram se constituindo os vários gêneros e modalidades da poesia improvisada popular brasileira, especialmente a nordestina.


O multiartista Antônio Nóbrega (PE) ministrará aula na IV Feira do Cordel Brasileiro
FOTO: DIVULGAÇÃO
Klévisson conta que o contato com o artista se deu em agosto, durante a XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará. "Ele me ligou dizendo que estava montando uma Cordelteca no Brincantes, o instituto dele em São Paulo. Aí eu disse que, para ele atualizar o acervo o lugar certo era aqui na Feira do Cordel Brasileiro. A gente pega o homem é na palavra, é assim que a cultura popular se relaciona", diz.

O mestre da cultura cearense Geraldo Amâncio, por sua vez, fará uma apresentação de repente, no sábado (19), às 18h, ao lado do parceiro Zé Vicente. Dentro da perspectiva de inovar a tradição, ele, aos 73 anos, revela um diferencial que traz no próprio show. "Antes o cantador nem olhava para o rosto das pessoas. Eu já sou de uma época que os cantadores interagem. Se o povo canta em show, culto, missa, porque não cantar em cantoria?", provoca.


Os mestres Geraldo Amâncio (CE) e Bule-Bule (BA) integram a programação | FOTO: THIAGO GADELHA

Essa dinâmica, para Geraldo, acaba por atrair uma nova geração de cantadores, que inclusive estará presente na abertura da Feira. Às 18h da quinta (17), o público poderá comprovar isso no repente ao som da viola de Fabiane Ribeiro (MA) e Guilherme Nobre (CE), ambos com 18 anos. "É importante que a meninada veja que a cultura popular não é algo feito só pra idosos. É vigoroso, moderno, dinâmico, se atualiza, se adapta", pontua Klévisson Viana.

DISCUSSÕES
Ao longo dos dias, a Feira contará também com importantes reflexões, a exemplo da mesa "O cordel como objeto de pesquisa", com Gilmar de Carvalho; do recital "As mulheres no cordel", com Julie Oliveira (CE), Bia Lopes (CE) e Ivonete Morais (CE); e da palestra "A diversidade na ilustração de folhetos de cordel", com Jô Oliveira, entre outros convidados.

Vale destacar ainda na programação, a presença do neto de Patativa do Assaré, Daniel Gonçalves, com o recital "O Patativa que eu conheci", e o show "Cantigas para bem viver'', com a médica e cordelista Paola Torres, idealizadora da Cordelteca da Universidade de Fortaleza. Ambos acontecem no sábado, às 19h e 20h, respectivamente.

PRIMEIRO DIA

Quinta-feira (17) - Teatro: Jackson do Pandeiro

14h - Abertura:
Participação dos mestres do cordel e da cantoria. Declamação com Klévisson Viana (CE) e Aldanísio Paiva (CE); apresentação com Mestre Bule-Bule (BA), Jefferson Portela (RJ) e Zé Rodrigues (CE), César Barreto (CE) e do Grupo Cordel de Raiz, da EMEF Ernesto Gurgel Valente (Aquiraz/CE)

15h10 - Mesa "O cordel como objeto de pesquisa" Com Gilmar de Carvalho (CE); "Cordel Cearense", Vládia Lima (CE); "Alberto Porfírio", Ana Claudia Veras (CE); "Caldeirão" e Alberto Perdigão (CE)- "Jornalismo em Cordel" Mediação do professor e cordelista Stélio Torquato Lima (CE)

Sala de Ensaio: José Pacheco 15h
Oficina de xilogravura com o mestre Francorli (CE) e Lucélia Borges (BA) Café: Luiz Gonzaga

15h40 - Lançamento de folhetos da Cordelaria Flor da Serra (CE)

Sala Multiuso: Palco Alberto Porfírio 16h40
Recital "As mulheres no cordel" com Julie Oliveira (CE), Bia Lopes (CE) e Ivonete Morais (CE)

17h30 - Recital com Dideus Sales (CE)

18h - Repente ao som da viola com Fabiane Ribeiro (MA) e Guilherme Nobre (CE)

19h - Show "Cantigas do Sertão" com José Rodrigues (PE) e o Trio Cabeça de Fósforo (CE), participação especial do mestre Bule-Bule (BA)

19h40 - Recital "Não nego minha raiz" com o "Pequeno Poeta" Regenildo Paiva(CE)

20h - Show "De cantigas e romances" com Eugênio Leandro (CE), participação especial de David Simplício (CE)

SERVIÇO
IV Feira do Cordel Brasileiro

De 17 a 20 de outubro, na Caixa Cultural Fortaleza (Av. Pessoa Anta, 287, Praia de Iracema).
Todos os dias a partir das 14h.
Gratuito
Contato: (85) 3453-2770

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

LEOTA POR RACHEL



LEOTA E LUIZ DANTAS QUEZADO

Leonardo Mota [I]
Por: Rachel de Queiroz

Rachel de Queiróz

17 Abril 2010 – O POVO
[Publicada originalmente em 15 de janeiro de 1948]
Fonte: Blog do jornalista Plinio Bortolotti

Morreu o meu amigo Leonardo Mota, o nosso querido Leota, o que é, realmente, uma grande tristeza. A obrigação de morrer pode ser um alívio para quem morre – e para ele talvez o fosse, maltratado pela doença há tantos anos -, mas é bem melancólico para os que ficam. É como o soldado que, caindo, se livra da guerra e das suas misérias; enquanto os companheiros que continuam lutando, além das misérias da guerra, ainda sofrem a falta do camarada perdido.

E, ditas estas primeiras palavras – vede como era forte a personalidade humana desse que foi embora -; à notícia de sua morte o que todos lamentam é o indivíduo, o velho amigo perdido; e só depois de o chorar como simples criatura nossa irmã, é que recordamos o brasileiro ilustre que ele foi, o mestre indisputado do nosso folclore, e a importância da sua obra; e realizamos quão dura perda a morte desse homem enfermo, que durante anos engoliu amarguras e dores no fundo de sua rede, representa para a inteligência brasileira.

Talvez poucos, talvez nenhum na sua especialidade, tenha contribuído mais para o aproveitamento e estudo do folclore nacional. Leonardo Mota era desses que acreditam em colher o fruto na árvore e não comprá-lo embalsamado em caixetas de papelão. Ia apanhar a cantiga na boca dos cantadores, sem intermediário de ninguém, entendendo-se com os poetas sertanejos de igual para igual, por eles respeitado e querido. Nada tinha em comum com os nossos sertanejos de gabinete que entendem muito de cantadores e cangaceiros de retrato, especialistas em material de segunda mão, que estudam e pontificam servindo-se de textos colhidos sabe Deus onde e como, Leota era daqueles trabalhadores humildes e obstinados que só compreendem a obra feita com as próprias mãos. Internava-se durante meses e até durante anos por esse sertão de meu Deus, enchendo cadernos, infatigavelmente, sempre de lápis na mão, ouvindo, registrando, selecionando, com perícia exemplar, com honestidade exemplar, e dele jamais se soube dum texto enxertado, ou “melhorado”, de uma improvisação de preguiçoso ou de vaidoso para suprir alguma falha.

Os cantadores, que são os intelectuais da cantiga, consideravam alta honra serem por ele ouvidos, a mais de um cantador ouvi gabar-se em rima, num desafio, entre outras vantagens excepcionais, que “já andava nos livros do doutor Leota”. Pois, “andar nos livros de Leota”, representava para eles a consagração definitiva, uma espécie de doutorado de repentista. E por ser assim amado e estimado pelos seus modelos, podia colher o material de estudo na sua beleza mais primitiva e genuína, como o encantador de passarinhos que consegue escutar o canto dos mais ariscos voadores no próprio instante espontâneo em que é improvisado. A contribuição de Leonardo Mota foi, pois, inegavelmente preciosíssima para o estudo e aproveitamento do imenso material folclórico por ele colhido e posto em livros, durante algumas décadas de trabalho; e contudo, grande também é a contribuição indireta dessa obra na formação da moderna linguagem literária do grupo de escritores do nordeste. Ele foi como que uma fonte viva da língua para nós todos, proporcionando-nos elementos de renovação, de enriquecimento, pondo-nos em contacto direto com a esquecida ou desprezada linguagem do povo, devolvendo-nos a força da terra, debilitada por tantos anos de pedantismo e preocupações helênicas e promocionais. Foi ele assim para nós uma espécie de precursor e mestre, e muitíssimo lhe devemos.


Leota e seus cantadores - Jacó Passarinho e Cego Aderaldo

Leonardo Mota [II]
Por: Rachel de Queiroz
(24 Abril 2010 – O POVO)

Eu, de mim, especialmente, não sei como lhe pague o que me ensinou. E a releitura constante de sua obra deixou de ser para nós, que a procuramos, além de puro deleite intelectual, uma oportunidade de renovação, uma lição de simplicidade; vale tanto quanto a releitura dos clássicos – não fosse o povo o grande clássico, guardador de relíquias, renovador de formas esquecidas, criador de formas novas, único elemento realmente fecundo e indispensável no processo de conservação e desenvolvimento da língua.

A estirpe de pesquisador a que pertencia Leonardo Mota anda quase desaparecida ou talvez de todo extinta. Só nos aparece agora como figura de romance ou de anedota; realmente, quem vê mais, o estudioso que se larga dos livros e dos professores e vai apanhar o objeto dos seus estudos lá no lugar onde ele nasce e medra? Desses que saem a cavalo, sertão a dentro, desprezando dificuldades, rigores e perigos, maltratando a saúde, atrás de coisas frágeis e sem importância aparente: uma flor, um inseto, uma cantiga? Enfrentava bandidos para lhes ouvir as façanhas dos próprios lábios e registrá-las conscientemente nos seus livros. Era capaz de andar léguas e léguas no chouto duríssimo de um cavalo de vaqueiro só para ouvir um cantador novo ou anotar as novidades de um cantador conhecido. Aquele homem gordo bom bebedor, bom comedor, bom falador, era, apesar da sua aparência indolente, capaz de “suar como tampa de chaleira” (expressão usada por um matuto a seu respeito, segundo ele próprio conta) e se danar caatinga a dentro, cozinhando no sol, cortando pedregulho e mato espinhento, só para enriquecer com mais uma quadra nova os seus cadernos já cheios.

E a obra que deixou, apesar de interrompida pela enfermidade, ai está: copiosa, legítima como uma pepita de ouro e tal como uma pepita bruta cheia de riqueza em potencial, na maioria ainda não aproveitadas. Mas paciência, nela ainda hão de abeberar sedentos os eruditos, e engordar, e disputá-la e enxergarem ao seu redor como moscas.

Foi ele um dos poucos brasileiros que se atreveu a estudar Lampião d-aprés nature, – e colher o anedotário lampiônico dos próprios lábios do herói bandido, dos seus companheiros de bando, dos coiteiros e dos macacos que o caçavam. E dele é, por isso mesmo, o melhor contingente de material que possuímos a respeito do “imperador do sertão”, – e material que traz o selo de genuíno, de garantido, de absolutamente de primeira mão, colhido por alguém que não tinha paixões pró nem contra, que não tinha outra paixão além da paixão da autenticidade.

Leonardo Mota deixou filhos que são homens de inteligência e sabem apreciar como devem o valor da obra de seu pai. Deles esperamos a reunião de tudo que ficou disperso, a valorização do que anda inaproveitado por folhas de jornais, por cadernos rabiscados a lápis, por rascunhos de conferências; eram aliás essas conferências, tão saborosas tão pitorescas, tão ricos de conteúdo poético, que quem as ouviu, não as esquece; e realizavam o milagre de reunir auditórios entusiásticos e enchiam casas à cunha nas mais adormecidas cidades de interior.

Não é possível que se perca ou se esqueça contribuição tão importante para a nossa cultura; e grande será a alegria de todos nós, que fomos amigos e discípulos de Leonardo Mota, constatar que entre a gente mais moça se renova e se multiplica o conhecimento da sua obra, e se ampliam o interesse e a admiração que nós lhe devotamos.


CARIRI CANGAÇO

Adiado o CARIRI CANGAÇO de Paulo Afonso-BA NOTA OFICIAL Diante do atual quadro de Pandemia do Covid-19 que assola nossa Naçã...

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